Casa do Alentejo, 4
de Fevereiro de 2017
Ao longo de
várias décadas, os antigos Hospitais Civis de Lisboa, designados e configurados
como um grupo hospitalar, foram objecto de diversas alterações organizativas e
regulamentares, tendo passado a integrar o Centro Hospitalar de Lisboa Central,
E.P.E., nos termos do D-Lei nº 50-A/2007, de 28 de Fevereiro e do D-Lei nº
44/2012, de 23 de Fevereiro.
As unidades
hospitalares da Colina de Santana têm constituído mais uma das facetas do
extenso património do Estado, na cidade de Lisboa, objecto de especulação,
através da empresa Estamo, criada em 1993, quando Cavaco Silva chefiava o
Governo. Com que objectivos? Primeiro para extinguir equipamentos do Estado e
lançar os respectivos terrenos e construções nos meandros da especulação
imobiliária, depois, e principalmente, para promover ficcionalmente a redução
do défice.
Com efeito,
pelo D-Lei nº 185/2002, já o Governo de Durão Barroso / Manuela Ferreira Leite definira
os princípios e os instrumentos para o estabelecimento de parcerias em saúde, em
regime de gestão e financiamento privados, estipulando, no seu art. 7º, que os
activos patrimoniais hospitalares poderiam envolver «a alienação de património do
Estado ou de outras entidades públicas». Eis aqui as famosas parcerias público
privadas na área da Saúde.
Ora, durante anos,
sucessivas Leis do Orçamento de Estado foram definindo
critérios e consignando especificações para a alienação e oneração de imóveis envolvendo como intermediária,
pelo menos até 2008, a empresa Sagestamo - Sociedade Gestora de Participações
Sociais Imobiliárias, S. A., criada pelo Decreto-Lei nº 209/2000, de 2 de
Setembro.
Desde então, todos os Orçamento de
Estado estipulavam a «alienação de bens imóveis do Estado e dos organismos
públicos às empresas (…) subsidiárias da Sagestamo», processando-se por ajuste
directo. Enquanto à Sagestamo, do grupo Parpública, lhe competia gerir a
carteira de imóveis, a sua subsidiária Estamo era quem tinha competência para a
sua venda. Por sua vez a Estamo ganhou maior fôlego,
em 2007, pela fusão com a empresa Locagest, durante a vigência do primeiro
Governo de José Sócrates.
Foi também em
2007, com o Decreto-Lei nº 280/2007, que se estabeleceram “as disposições
gerais e comuns sobre a gestão dos bens imóveis dos domínios públicos do
Estado”. Foi com base neste diploma e na subdelegação de competências dos
Ministros das Finanças e da Saúde nos seus Secretários de Estado, pelo Despacho
nº 22.453/2009, que foi confirmada a autorização da celebração de contratos de
gestão imobiliária e respectiva afectação dos valores da alienação dos prédios
dos 4 hospitais da Colina de Santana.
Esta decisão surge
consubstanciada na “Lista de alienação de imóveis do Estado em 2009”, onde se identifica
cada processo patrimonial com a designação de vários imóveis a alienar,
incluindo, nomeadamente, os prédios urbanos dos Hospitais dos Capuchos, São
José, Miguel Bombarda e de Santa Marta.
À custa do anunciado encerramento de
serviços públicos essenciais, o Estado encaixava um
total de 111.440.250,00 €. Como? Com a Estamo, empresa do Ministério das
Finanças, a ‘adquirir’ aqueles Hospitais ao Ministério da Saúde e encomendando
discretamente, sem concurso público, os projectos para os terrenos libertados pela
destruição dos referidos Hospitais.
O objectivo imediato residiu em a Estamo
pagar ao Estado o valor dos edifícios a alienar e o Estado arrecadar receita
para ficcionar a redução do défice. Pura engenharia financeira em que o Estado
vendeu ao próprio Estado, dissimulando, assim, as contas públicas. Os
hospitais, incluindo os da Colina de Santana, constituíram, como se comprova,
um óptimo balão de ensaio para esta camuflagem financeira.
E para que não restassem dúvidas, a
proposta contida no “Relatório final do Grupo Técnico para a Reforma
Hospitalar”, datado de Novembro de 2011, esclarecia que se tinha em vista «uma
redução no financiamento das unidades hospitalares (só para 2012) de cerca de
358 milhões de euros, em linha com a redução do orçamento da saúde para os
Hospitais» e «uma redução potencial da estrutura de custos das unidades
hospitalares estimada em cerca de (mais) 476 milhões de euros», num total de
834 milhões. Estes «objectivos (tinham) como corolário atingir uma redução (…)
dos custos operacionais dos hospitais» em pelo menos 15%. Mera operação de
especulação financeira à custa da nossa saúde!
Os
contratos-promessa de compra e venda previam a ocupação dos edifícios, sem o
pagamento de qualquer compensação, mas só até 31 de Dezembro de 2010. Pelo que,
a partir daquela data, se os edifícios continuassem ocupados sem ter sido
celebrado contrato de arrendamento, o Estado obrigava-se a pagar à Estamo uma
indemnização mensal correspondente a 6,5%, sobre 12 meses, calculada sobre o
preço do imóvel, actualizado anualmente, de acordo com o índice de preços no
consumidor estabelecido pelo INE, até à sua entrega, livre e devoluta.
É caso para
dizer: foram-se os anéis (os hospitais) e os dedos (os juros de indemnização)
com eles.
E qual tem sido o papel da CML em todo este
processo? Primeiro deveras interessadíssima, embora hoje bem mais na
expectativa, pois apenas quando pressionada pelos debates públicos e o
reiterado protesto de cidadãos e profissionais da saúde, pareceu despertar da
sua letargia.
Recordemos que os citados Orçamentos de
Estado até atribuíam «aos municípios da localização dos imóveis, o direito de
preferência nas alienações realizadas através de hasta pública», ou seja,
receitas complementares para a CML.
No entanto, não nos podemos esquecer que
foi a própria vereação PS quem, logo em Abril de 2009, promoveu a divulgação dos
projectos da Sagestamo, datados de Novembro de 2007, para os “Terrenos,
Hospitais e Instalações Militares com desafectação prevista em Lisboa”.
E seria também a própria CML, antevendo futuras
receitas, fruto dos projectos imobiliários e de novas taxas de IMI, quem
acabaria por promover vários loteamentos para a Colina de Santana. A CML via ali «o interesse excepcional destes projectos e
as mais-valias» que poderiam trazer para a cidade, pelo que procedeu à
publicitação dos Pedidos de Informação Prévia (PIPs) e sua discussão em Julho de
2013.
De imediato surgiram (em Julho de 2013) projectos
e maquetas, quando a Estamo, em conjunto com o representante da CML e os arquitectos
responsáveis dos vários projectos apresentaram, em sessão pública na Ordem dos
Arquitectos, os referidos projectos de arquitectura correspondentes aos 4 PIPs,
para aferir a viabilidade da realização das operações de loteamento.
O projecto
urbano previa a conversão dos 4 hospitais em espaços com valências hoteleiras,
de habitação, comércio, estacionamento e lazer. O valor estimado do
investimento para realizar o projecto com novas construções, reabilitação e
arranjos exteriores estava avaliado, no mínimo, em 250 milhões de euros.
Este projecto
deixa a Saúde do centro de Lisboa sujeita a um genuíno processo de despejo. A
alternativa oferecida pelo Governo é a transferência destas unidades, com a
perda de mais de 900 camas, para um novo hospital em Chelas, caso venha a ser
construído, com custos previstos superiores a 600 milhões €.
E eis senão
quando o sr. vereador do Urbanismo (Manuel Salgado) anunciou que os PIPs
estavam suspensos até ser aprovado um Programa de Salvaguarda e Regeneração
Urbana, envolvendo a CML, a Estamo e a Universidade de Lisboa. E o então sr.
presidente da CML (e actual 1º Ministro, António Costa) afirmava que o fecho de
hospitais na Colina de Santana era uma “oportunidade de regeneração”, leia-se,
de negócio.
Afinal, de que
lado tem estado a CML? É urgente que o Município e o Governo reconsiderem e
revejam os projectos no respeito pelas valências que hoje ameaçam destruir,
revertendo todo o processo.
A Assembleia
Municipal de Lisboa ainda promoveu, no início de 2014, um debate temático em 4
sessões e até criou uma Comissão de Acompanhamento da Colina de Santana, que
desde há exactamente 2 anos deixou inexplicavelmente de reunir.
“Os Verdes” veem principalmente nestes projectos urbanos uma oportunidade
de negócio financeiro para o Governo, os privados e a CML. Consideramos
inevitável a salvaguarda e o respeito pelas unidades histórico-artísticas e a
componente de saúde, que devem prevalecer acima dos interesses especulativos e
de acções de pretensa modernização urbanística.
Não se iludam companheiros e camaradas. Ao
longo de todo este processo, constata-se que para os Governos de PS. PSD e CDS
os números tem sido apenas um ‘fim’. Para os cidadãos significaria o ‘fim da
linha’ no direito pelo acesso à Saúde consignada na Constituição da República
Portuguesa.
Os munícipes, os utentes e os trabalhadores
não querem o projecto da Estamo para a Colina de Santana; não querem nem
precisam de mais especulação imobiliária; os cidadãos exigem e lutam pelo SNS e
por melhores cuidados de saúde.
Viva a CDU!
J. L. Sobreda Antunes
Partido
Ecologista “Os
Verdes”
Sem comentários:
Enviar um comentário