12/01/2016

Intervenção na Declaração Política sobre a Soberania Alimentar e o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, proferida em 12 de Janeiro de 2016


Os Verdes” trazem hoje a esta Assembleia a candente questão da Soberania Alimentar, pois se um Estado não pugnar pela sua soberania alimentar, também não consegue sequer assegurar nem a segurança alimentar, nem um combate eficaz ao desperdício alimentar.
O conceito de soberania alimentar representa o direito de cada País ou Região a poder escolher e aplicar o seu ou os seus próprios tipos ou modelos agrícolas, de forma a melhor servirem as suas próprias necessidades agro-alimentares, em respeito pelos seus recursos e produções locais/regionais.
Por seu turno, soberania e segurança alimentares implicam o direito e a consequência prática à produção de bens agro-alimentares a um nível produtivo e de aprovisionamento de pelo menos 2/3 das necessidades agro-alimentares de cada País.
É neste contexto que “Soberania e Segurança Alimentares” se podem vantajosamente associar e sintetizar no conceito de “Produzir e consumir local”, em suma, no direito a produzir para suprir parte substancial das necessidades agro-alimentares de um País ou Região com produtos acessíveis e de melhor qualidade alimentar, promovendo o emprego e o desenvolvimento interno.
Todavia, o nosso País vem-se defrontando com um défice na balança de pagamentos agro-alimentar que coloca os portugueses na dependência alimentar de muitos produtos importados, um pouco de todo o lado e sem um controlo higieno-sanitário eficaz.
Se Portugal não salvaguardar convenientemente parte significativa da sua soberania alimentar, se não combater o ilusório critério de ser mais barato importar produtos prontos a consumir do que produzi-los internamente, também dificilmente conseguirá ser eficaz na garantia da segurança alimentar e no combate ao desperdício alimentar. Por isso, a soberania alimentar deve ser sustentável, ou seja, ser uma causa do presente e do futuro do nosso País.
De facto, a soberania alimentar representa a garantia do direito de todos ao acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, como o sistema alimentar futuro, devendo por isso realizar-se em bases sustentáveis. Neste sentido, qualquer País deve procurar a sua soberania alimentar para assegurar a sua própria segurança alimentar, respeitando as características culturais de cada povo, manifestadas na produção, no consumo e no acto de se alimentar. É, por isso, uma responsabilidade dos Estados nacionais assegurar este princípio básico da economia.
Neste contexto, como proteger então a produção e a soberania alimentar nacionais? Garantindo o direito a produzir internamente através da definição de políticas agrícolas, marítimas e alimentares nacionais, de acordo com as potencialidades e as necessidades prioritárias do País. Ora, importar os produtos necessários à nossa alimentação obriga cada família a despender no estrangeiro uma verba avultada (mais de 2 mil € por ano), com um peso significativo sobre o deficit comercial.
Nos últimos anos tem-se prestado mais atenção à segurança alimentar, dado que todas as pessoas no mundo procuram ter direito a uma alimentação suficiente para viver com dignidade, o que, todos sabemos, ainda não acontece. Poderá não estar em causa a qualidade social e ambiental da alimentação, mas antes a sua quantidade e qualidade sanitária.
A soberania alimentar coloca, em primeiro lugar, o direito efectivo a uma alimentação saudável e respeitadora do ambiente para todas as pessoas, não deixando em último lugar aqueles que cultivam os produtos com os quais a comida é depois confeccionada. Em segundo lugar, deve ser tido em conta que a super produção conduz, em última instância, ao inevitável desperdício alimentar. Daí que, para concretizar esse desiderato, seja preciso manter o controlo sobre os recursos naturais que são bens públicos, como a água, mas também uma gestão eficaz dos solos e das sementes.
Na perspectiva da soberania alimentar, a defesa da biodiversidade é fundamental e exige uma acção determinada, já que se perdem diariamente centenas de espécies vivas em todo o mundo, como consequência do modelo de produção e consumo actuais. Neste âmbito, inserem-se a utilização e a recriação das tradições agrícolas e gastronómicas locais. Passa também pelo respeito pelos produtores/as, pela saúde dos consumidores, pelo ambiente e pela sua boa gestão, dando prioridade ao consumo de produtos locais e de época, reconhecendo a responsabilidade dos agricultores, a dispensa do uso de conservantes e outros aditivos e evitando o gasto energético e despesas desnecessárias com o transporte de mercadorias a longa distância.
Sérias ameaças ao direito à alimentação, à saúde pública, às plantações endógenas e biológicas e à biodiversidade são, por exemplo, o açambarcamento de terras, a estagnação de cultivos, o desenvolvimento e comercialização dos OGM, que têm por base o patenteamento e controlo privado de sementes artificialmente concebidas e o cultivo de agrocombustíveis, só rentável em larga escala, que ocupa terrenos essenciais à produção de bens alimentares seguros, que prejudica o ambiente e, ainda por cima, não obtém os resultados necessários na substituição dos combustíveis fósseis.
É preciso criar condições para não ceder às enormes e constantes pressões das grandes multinacionais e das indústrias agroalimentares estrangeiras, que baseiam a sua actividade no latifúndio, na monocultura, na exploração dos trabalhadores, na desregulação do trabalho e no uso indevido da tecnologia.
Os Verdes” consideram que o acompanhamento das políticas públicas, o conhecimento das práticas produtivas e de comercialização, e a reivindicação da soberania alimentar, fazem parte das próprias condições de segurança e combate ao desperdício alimentar.
Daí que, contrapondo ao Acordo Bilateral de Comércio Livre, também denominado por Tratado Transatlântico, Os Verdes” recomendam a esta Assembleia que se pronuncie favoravelmente em defesa da soberania e segurança alimentares.

Sobreda Antunes
           Grupo Municipal de “Os Verdes

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