Recentemente, têm estado em negociação
vários tratados internacionais, entre eles TTIP, CETA, TPP, TISA, que visam, oficialmente,
liberalizar o investimento e o comércio em vastas zonas do globo, com o declarado
objectivo de construir e legitimar um novo paradigma de poder corporativo das
grandes empresas sobre os Estados.
No caso do TTIP, a Comissão Europeia e o
Governo dos EUA têm vindo a promover, no maior secretismo, um Acordo Bilateral
de Comércio Livre, também denominado por Tratado Transatlântico. O que se sabe
com este tratado é o facto de se pretender “ligar ao mais alto nível de
liberalização os acordos de comércio livre existentes, (bem como) a eliminação
de todos os obstáculos inúteis ao comércio (…) e à abertura dos mercados”.
A aceitação deste Acordo de Parceria
Transatlântica de Comércio e Investimento, tendo em conta a sua dimensão, viria
afectar, de maneira horizontal, todos os sectores económicos e todos os
sectores da sociedade. Só por esta razão, todo o processo que envolve este
acordo deveria ser um modelo de transparência e democracia, mas, de facto, não
é isto o que acontece, pois o que se observa é um processo obscuro, nada
transparente e pouco democrático.
Após dois anos de negociações, não
existe informação concreta sobre o que está a ser concertado na especificidade,
nem são conhecidos verdadeiros estudos independentes sobre os impactos social,
económico e ambiental e, acima de tudo, não existe um verdadeiro debate, sério
e abrangente, dentro da sociedade e mesmo para as instituições democraticamente
eleitas, como os Parlamentos Europeu e Nacionais, sendo a informação
condicionada e escassa.
Importa salientar que este tratado não é
de facto um tratado qualquer, ele resulta de uma alteração de estratégia por
parte dos EUA e da UE, com vista a alcançar o objectivo da liberalização do
comércio mundial e que caiu num impasse com o falhanço das negociações ao nível
da OMC.
Assim, EUA e UE decidiram alcançar por
via dos acordos bilaterais aquilo que não conseguiam alcançar com um acordo
multilateral e de facto EUA e UE juntos, representam 60% do PIB mundial, 33% do
comércio mundial de bens e 42% do comércio mundial de serviços, o que quer
dizer que só por aqui grande parte da liberalização do comércio mundial fica
desde logo feita.
Acresce a isto, que este acordo, a
concretizar-se, servirá de pressão para que os países que têm bloqueado as
negociações ao nível da OMC deixem cair determinadas exigências, uma vez que
este acordo, ao mesmo tempo que favorece as trocas comerciais entre EUA e UE
prejudica as exportações de países terceiros para estes dois mercados.
Em relação aos impactos que poderão
advir da assinatura deste acordo eles são muitos e diversos desde logo ao nível
social, com a perspectiva de destruição de milhares de empregos, nomeadamente
por via da falência das micro e pequenas empresas e da agricultura familiar que
não sobreviverão a um mercado completamente liberalizado, onde a regra é
exactamente a ausência de regras públicas de regulação do comércio e da
produção.
Também ao nível social, o que poderá ser
perspectivado será a continuação da degradação dos direitos laborais por toda a
Europa, em nome da competitividade nos mercados mundiais, por via do chamado dumping social.
Por outro lado, este tratado significaria
também aligeirar as regras no que respeita à garantia da qualidade dos
produtos, em matéria de segurança alimentar, em matéria de impacto ambiental
dos modelos de produção, em matéria de bem-estar animal, entre outros, uma vez
que a harmonização da regulação que está prevista entre a UE e os EUA será
sempre no sentido do menor denominador comum, ou seja, para uma forma de
regulamentação mais permissiva e onde se inclui aqui a ameaça de liberalização
do cultivo de OGMs.
Acresce ainda que, para além de se
reflectir em menos políticas públicas, este tratado representaria também um
atentado ao papel legislativo futuro das instituições democráticas, uma vez que,
em qualquer matéria alvo de acordo e onde a realidade futura venha a ditar a
necessidade de nova regulamentação, será necessário haver o consentimento da
outra parte para que tal se possa verificar, falando-se ainda de um mecanismo
para a resolução de conflitos, que permitiria que as empresas transnacionais
processassem os Estados, fora dos seus tribunais nacionais, pela perda de
lucros, nomeadamente de lucros futuros, o que conduziria à dissuasão da
actividade pública legislativa também por esta via.
O TTIP implica, igualmente, um modelo
produtivo mais intensivo e concentrado. Por exemplo, ao nível do sector
agrícola, o que os dados previsionais espelham é que existem diferenças de
realidades no que toca a modelos de produção entre os dois lados do atlântico,
nomeadamente no que respeita ao seu grau de intensificação (por ex., enquanto
na UE a área média por exploração é de 13 ha , nos EUA é de 180 ha ; enquanto na UE
existem 57 trabalhadores por cada 1000 ha , nos EUA existem 6 trabalhadores),
sabendo-se bem qual o modelo económico que sairá beneficiado por este acordo e
as consequências que tal trará ao nível laboral e da sustentabilidade ambiental
de um futuro modelo produtivo.
Considerando que, em termos de
sustentabilidade, não se coloca apenas o nível do modelo produtivo, como também
o nível do modelo de comercialização, uma vez que o TTIP irá estimular ainda
mais a deslocalização do consumo e da produção, num sistema baseado cada vez
mais no consumo de combustíveis fósseis e na mercantilização dos recursos
naturais, com enormes impactos, por exemplo, ao nível das alterações
climáticas.
Neste sentido,
a Assembleia Municipal de Lisboa delibera, na sequência da presente
proposta dos eleitos do Partido Ecologista “Os
Verdes”:
1 - Manifestar estranheza por um acordo
desta importância e dimensão estar a ser negociado no ‘segredo dos gabinetes’,
sem o conhecimento dos Estados e a participação alargada dos sectores
económicos e associações de consumidores nacionais.
2 - Reclamar e tudo fazer para que
qualquer futuro acordo comercial seja alvo de um processo transparente e
democrático, acompanhado por um verdadeiro debate, sério e abrangente, dentro
da sociedade.
3 - Rejeitar os impactos negativos do
Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento em negociação,
nomeadamente os sociais, económicos, laborais, ambientais e alimentares e de eventual
limite às próprias funções do poder democrático, garantindo-se sempre a prioridade
da defesa dos interesses nacionais.
4 - Exprimir a sua preocupação, instando
o Governo para que não venha a ser subscrito este acordo, nos termos em que tem
vindo a ser negociado entre os EUA e a União Europeia.
Mais delibera ainda:
- Enviar a presente deliberação ao Governo,
ao Ministério da Agricultura, das Florestas e do Desenvolvimento Rural, a todos
os Grupos Parlamentares, às Confederações de Agricultores, às Associações de
Defesa do Consumidor e às Associações Ambientalistas.
Assembleia
Municipal de Lisboa, 12 de Janeiro de 2016
O Grupo Municipal de “Os Verdes”
Cláudia Madeira J. L. Sobreda Antunes
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