07/06/2016

Intervenção sobre as Propostas nº 814/2015 e 12/2016 - Torre das Picoas, na Assembleia Municipal de Lisboa de 7 de Junho de 2016


 
Sobre a apreciação das propostas nºs 814/2015 e 12/2016, referentes à realização de permutas e regularização de questões patrimoniais no âmbito dos processos de construção e de licenciamento da “Torre da Cidade” nas Picoas, Os Verdes pretendem reforçar algumas ideias chave.

Por uma questão de princípio, e uma vez que Os Verdes mantêm a sua posição em relação a este projecto, votaremos em conformidade.

O processo começa logo mal quando a proposta discutida e aprovada em reunião de Câmara, em Janeiro de 2015, não fez menção à necessidade do Município ter que ceder ao promotor duas parcelas de terreno, em troca de outras duas.

Situação que, desde logo, nos suscitou bastantes dúvidas, motivo pelo qual dirigimos à CML, no dia 2 de Dezembro de 2015, um requerimento colocando várias questões relacionadas com este processo, tendo já na altura referido a existência de obras que se prolongavam para o subsolo de terrenos municipais.

No entanto, e como se não bastassem as discordâncias que já tínhamos em relação às opções da CML, surgiu, entretanto, um novo conjunto de irregularidades que nos fazem ter ainda mais certezas em não viabilizar as propostas que agora discutimos.

Por um lado, temos o promotor do empreendimento a executar obras numa parcela de terreno que não é sua, mas da Câmara. Por outro lado, temos uma falha grave na fiscalização da obra por parte da Câmara, deparando-nos depois com a questão de uma eventual ordem de paragem da obra, mas subsistindo dúvidas que tenha realmente ocorrido, pois tal facto nem consta do Livro de Obra.

Por norma, a realização destas permutas e a resolução de questões patrimoniais devem acontecer antes da aprovação do pedido de licenciamento e o início de quaisquer obras de construção. Mas aqui aconteceu o contrário. Primeiro iniciaram-se as obras e depois logo se procederia à regularização das questões patrimoniais pendentes. Ora isto é um procedimento que vai contra as boas práticas que devem orientar o licenciamento deste género de operações urbanísticas. E se o executivo convive bem com isto e está confortável com esta forma de agir, está errado.

Estava previsto que o promotor pudesse evocar a compensação da área de construção, recorrendo aos créditos de construção, previstos no PDM, algo a que Os Verdes se opuseram desde o início, por considerarmos que são uma moeda de troca em m2, em que, quando o proprietário cumprir determinados pressupostos, são-lhe atribuídos direitos acrescidos de edificabilidade ou construção em m2, favorecendo, assim, a criação de um mercado especulativo que tende, basicamente, a favorecer os grandes promotores imobiliários.

Com esta moeda de troca, já se sabe, nem sempre fica salvaguardado o interesse público. Esta situação concreta sobre a torre a construir nas Picoas não é única na actuação do executivo, pelo que esta Assembleia não pode e não deve permitir que estes casos se repitam. A Câmara não pode ser apenas o parceiro destes projectos, não pode ser a entidade que se limita a dar luz verde a projectos destes, descurando a parte de fiscalização que lhe compete, nem desrespeitar o papel de fiscalização e deliberação que cabe a esta Assembleia Municipal, o qual é muitas vezes ultrapassado. Este projecto é paradigmático da política de urbanismo da CML, em que tudo é permitido aos promotores imobiliários.

Qualquer solução urbanística deve enquadrar as condicionantes e restrições existentes no seu lote de terreno, neste caso concreto o afastamento de 20 metros entre a Torre das Picoas a construir e a Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves, conforme parecer do Conselho Nacional de Cultura. Esta condicionante devia ser um ónus a suportar pelo próprio promotor e não pelo Município que, através da cedência de parcelas de terreno complementares ao lote em causa, tenta viabilizar a solução urbanística nos termos pretendidos pelo promotor. Entendemos que qualquer solução se deve conter aos limites do próprio lote de terreno de que seja proprietário o promotor, após o devido licenciamento pelo Município.

Para Os Verdes, não pode haver benefícios nem tratamentos especiais a qualquer promotor, por muito que a autarquia assim o deseje, que venham justificar este tipo de práticas.

A conclusão que se tira daqui é que houve um comportamento abusivo e esta Assembleia Municipal não pode nem deve pactuar nem comprometer-se com esse comportamento.

Pelo mediatismo que este caso teve, e até pelas dimensões que entretanto assumiu, passando inclusive por uma participação ao Ministério Público, esperemos que a partir de agora o relacionamento da Câmara com os promotores e com esta Assembleia seja sempre pautado por princípios de transparência e de defesa do interesse público. Porque neste caso, e independentemente do que se venha a passar daqui para frente, o ponto de partida e o desenrolar do processo foram errados.

Por tudo isto, não encontramos qualquer razão para votar favoravelmente as Propostas nº 814/2015 e 12/2016. Se já anteriormente a toda esta sequência de polémicas tínhamos dúvidas sobre eventuais irregularidades, na sequência do que temos assistido nos últimos meses, hoje mais razões temos para, convictamente e em consciência, votar contra.


Cláudia Madeira
Grupo Municipal de Os Verdes

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