«Sr.ª Presidente
Srs. Membros do Governo
Sras. e Srs. Deputados,
“Ninguém será deixado para trás”.
Esta deve ser a afirmação que mais vezes aparece referida ao longo das 129 páginas que dão corpo ao Documento que agora estamos a discutir.
Mas apesar do Programa do Governo insistir várias vezes nessa ideia, não é necessário grande esforço para se concluir que nem todos são chamados ao sacrifício para responder à grave situação que o País atravessa.
Uma situação que é, aliás, resultado de políticas a que tanto o PSD como o CDS/PP não são alheios, porque também têm, como se sabe, responsabilidades na aplicação das políticas que conduziram à crise que hoje vivemos.
E nem todos são chamados ao sacrifício porque, prosseguindo o que começa a ser uma velha prática, o novo Governo esqueceu-se dos do costume.
Fora do sacrifício continuam os grandes grupos económicos e o sector financeiro, apesar dos lucros que continuam a apresentar, mesmo em tempos de crise.
O novo Governo, não só, no que se refere a sacrifícios, deixa os intocáveis para trás, como, mais à frente, ainda lhes abre as portas para deitarem a mão a áreas muito apetecíveis, e há muito desejadas, através da delapidação do nosso património colectivo.
Em causa está tudo o que dá lucro ao Estado, dos transportes públicos à saúde, é tudo para privatizar. TAP, EDP, REN, CTT, e as áreas dos seguros e da saúde da Caixa Geral de Depósitos. Vai tudo, até a RTP, apesar do CDS/PP ter passado a campanha eleitoral a rejeitar a sua privatização.
E nesta avalanche de privatizações, nem a Saúde escapa, já que o Governo pretende dar mais espaço ao sector privado na gestão dos hospitais e até nos centros de saúde. Os privados têm assim a porta aberta para deitar a mão à saúde dos Portugueses, ou melhor, dos Portugueses que tiveram meios para o fazer, porque os outros vão, certamente, ficar para trás.
Na ofensiva fiscal, o governo prepara-se para reduzir os montantes das deduções, com as despesas na saúde e na educação, ao nível do IRS, o que vai agravar ainda mais a vida das famílias portuguesas, muitas delas a viver já com muitas dificuldades e a viver numa verdadeira fuga à miséria.
O mesmo se diga em relação ao IVA, com a passagem de bens essenciais das taxas reduzida e intermédia para a taxa mais elevada.
E como se fosse pouco, hoje, os Portugueses acabaram de ficar sem metade do 13º mês.
E o “Ninguém será deixado para trás”, também não encaixa nas propostas para a área laboral.
Na relação trabalhador-empregador, o governo deixa literalmente ainda mais para trás, os trabalhadores, retirando-lhe direitos, fragilizando ainda mais a sua posição contratual e fortalecendo a posição da entidade empregadora: despedimentos mais facilitados, contratos a termo das pessoas que estão prestes a entrar para o quadro, porque os contratos estão no fim do período de renovação, podem agora ser precários por mais tempo, mexidas no período experimental, com prejuízo para o trabalhador, horas extraordinárias deixam de ser pagas.
São estes os contributos que constam do Programa do Governo para responder ao mais grave problema dos nossos dias que é o desemprego.
Relativamente à política de Transportes, o Governo pretende promover o transporte público e melhorar a eficiência dos operadores. Ora, aqui está uma boa intenção, promover o transporte público. E como é que o Governo pretende promover o transporte público? A resposta também está lá no Programa: privatizando.
Ou seja, o Governo pretende privatizar os transportes públicos como forma de promover a utilização do transporte público, isto quando todos conhecemos as implicações que resultam em termos de mobilidade com a privatização dos transportes. Muitos portugueses vão certamente ficar para trás.
Por fim, no que diz respeito ao ambiente, o Governo fala em “inaugurar uma nova estratégia para a conservação da natureza e biodiversidade, apostando na valorização económica dos recursos naturais e na revisão do modelo de gestão das áreas classificadas”.
É isto que o Governo tem para oferecer aos portugueses em matéria de ambiente, a valorização económica dos recursos naturais, isto é, o Governo pretende transformar os recursos naturais numa fonte de negócio e muito provavelmente para entregar ao sector privado;
E a revisão do modelo de gestão das áreas classificadas, o que dito desta forma, sem indicar qualquer orientação, qualquer sentido, não ajuda muito, mas com o espírito liberal que acompanha todo o Programa, somos tentados a considerar que o Governo pondera a possibilidade de entregar ao sector privado a gestão de todas das áreas classificadas, provavelmente impondo portagens para quem pretender visitá-las, ou para quem tiver meios para o fazer, deixando desta forma muitos Portugueses de fora e sem acesso a um bem que é de todos e que a todos pertence.
Estamos, assim, na perspectiva de “Os Verdes”, perante um Programa de Governo profundamente liberal, que não vai resolver os problemas do País e que vai agravar ainda mais a vida dos Portugueses, que vão ganhar menos, que vão pagar mais impostos, que vão perder mais direitos e que, colectivamente, vão ficar mais pobres com as privatizações anunciadas e, nesta matéria, à excepção daqueles que se poderão apropriar desse património, de facto, “Ninguém será deixado para trás”, todos ficaremos mais pobres.»
Assembleia da Repúiblica, 30 de Junho de 2011