Proferida na Assembleia Municipal de Lisboa a 21 de Janeiro de 2014
Proposta nº 4/2014 (ex-nºs 915 e 916/2013) – Transferência de competências e recursos humanos
Debatemos aqui hoje a Proposta nº 4/2014 que, na sequência das diversas audições realizadas no seio das Comissões da AML, introduziu ligeiras alterações às anteriores Propostas nºs 915 e 916/2013. Estas Propostas têm em vista traçar “um elenco de missões de interesse geral e comum”, os “espaços, vias e equipamentos de natureza estruturante para a cidade” e ainda definir os “critérios de transição dos recursos humanos do mapa de pessoal do Município” para os mapas de pessoal das Juntas de Freguesia.
Quanto a estes espaços, vias e equipamentos não ficou ainda claro, nem sequer para os próprios presidentes de Junta, qual a fronteira da divisão de responsabilidades, de capacidade de intervenção e de assumpção das despesas inerentes em algumas das missões gerais e daquelas a descentralizar, basicamente por existir um número considerável de excepções à regra comum, tanto a nível da intervenção no espaço público, como nas áreas verdes, nas escolas, na higiene e limpeza urbanas, na sinalização, nas licenças, etc.
Por um lado, devido a ser mais do que óbvio não serem comparáveis os meios e recursos da CML com os que cada Junta de Freguesia vai dispor para coordenar com eficácia as competências que lhes serão transferidas, quando apenas dispõem de apenas um eleito a tempo inteiro. É que, em contrapartida, a CML dispõe hoje, para controlar essas mesmas tarefas, vários Departamentos e Divisões Municipais. A consequência poderá vir a ser a expectável degradação dos serviços públicos que se desejaria fossem de qualidade para os munícipes pagantes de taxas municipais.
Por outro lado, tendo em consideração que a transferência de competências para cada Junta potenciará uma pulverização de actos de gestão, desintegrados e com diferentes contratos para equipamentos similares, tal fará inevitavelmente subir os custos para os munícipes. Perante às várias excepções à regra sobre a descentralização de espaços, vias e equipamentos, condicionadas pela ainda previsível interferência da CML sobre os casos dúbios das missões a transferir, os presidentes de Junta terão muito com que se preocupar, pois não possuem, nem equipas, nem condições técnicas, para proceder à gestão e manutenção de equipamentos com tal complexidade.
Inserida neste perfil de indefinições encontra-se uma parte dos equipamentos culturais, como a actual Rede BLX de Bibliotecas Municipais, sendo umas consideradas como ‘bibliotecas-âncora’, uma por cada Unidade Operativa de Planeamento de Gestão (UOPG), e as restantes que poderão transitar para as Freguesias.
A Proposta indica que todas as bibliotecas, incluindo as não estruturantes, integrarão a Rede BLX, a fim de serem geridas no âmbito do Programa Estratégico Biblioteca XXI, quer para efeitos de gestão do acervo bibliográfico, como para o tratamento técnico documental e empréstimo entre bibliotecas. Mas alguns presidentes de Junta já começaram a perceber que vão ficar no seu regaço com alguns edifícios pouco atractivos.
Com efeito, já em 2012, um estudo encomendado pela vereação concluíra haver uma cobertura territorial muito insuficiente e edifícios desadequados à missão das bibliotecas. Detectara, inclusive, que apenas as bibliotecas das Galveias, de Belém e a agora recentemente encerrada Hemeroteca cumpriam os mínimos e que as restantes não tinham em consideração os padrões de exigência em vigor, por possuírem “áreas exíguas e subdimensionadas, com espaços muito compartimentados”.
É sobejamente reconhecido que uma biblioteca devidamente inserida no seu bairro contribui para reforçar as redes sociais e diminuir as situações de isolamento social. Mas devido às deficientes condições em que algumas se encontram, as Juntas que as receberem terão de alocar investimentos consideráveis.
Por isso, o Partido Ecologista “Os Verdes” questiona como poderá uma Freguesia dar resposta à melhoria da qualidade das instalações? Onde vai buscar as verbas? Será que uma biblioteca ‘não âncora’, que deseje fazer obras ou adquirir equipamentos, poderá (ou não) vir a concorrer a financiamentos autónomos? Poderá, por ex., candidatar-se ao Programa de Apoio às Bibliotecas Municipais ou terá de o fazer na dependência da CML?
Poderá definir uma política e um programa próprios de gestão para a sua biblioteca? Poderá adquirir espólios bibliográficos que considere relevantes ou terá de pedir um parecer técnico prévio à CML? Poderá adaptar metodologias independentes para produtos e serviços documentais que pretenda disponibilizar ao seu universo de utilizadores? Poderá estabelecer horários de abertura ao público reduzidos ou desadequados às necessidades dos leitores? Uma outra questão que ficou sem resposta da vereação: poderá uma Freguesia aprovar uma tabela de taxas distintas ou mesmo criar um mapa de pessoal sem técnicos especializados?
Uma situação que consideramos gravíssima foi a própria direcção municipal ter respondido, numa das Comissões da AML, quando questionada sobre a coordenação técnica das Unidades de Informação a transferir para as Freguesias, poder ser dispensável a direcção técnica dos profissionais BAD (de Biblioteca, Arquivo e Documentação)! Como é possível uma biblioteca não ser gerida por um profissional da área? Será que a CML pediu algum parecer técnico prévio à BAD, à DGLAB - Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, ou mesmo à própria Biblioteca Nacional e estes organismos anuíram neste sentido? Duvidamos profundamente que tal tenha acontecido.
Será que cada biblioteca não passará assim a organizar de forma desenquadrada debates ou exposições e outras actividades culturais e lúdicas? Não será que assim sendo, caminharemos para uma fácil desintegração da Rede BLX, com a separação entre bibliotecas estruturantes e não estruturantes e a inviabilizar o seu funcionamento em rede, deixando de haver uma política comum?
Não será que também tem havido, nestes últimos anos, um desinvestimento progressivo dos serviços de leitura presencial prestados à população, com a redução do número das carrinhas de bibliotecas móveis do município e do seu percurso de circulação por entre os bairros carenciados da cidade?
Uma outra questão de maior relevo prende-se com o vínculo dos trabalhadores do município a transferir para os mapas de pessoal das freguesias.
Ora, de acordo com a Lei nº 56/2012, a atribuição das novas competências às Juntas de Freguesia é acompanhada do património, dos recursos financeiros e dos meios humanos adequados ao desempenho das funções a transferir, ou seja, de equipamentos, de objectos materiais e de PESSOAS! Sinceramente, esperamos que o sr. Presidente reconheça que há ainda uma diferença abissal de tratamento entre ‘coisas’ e seres humanos.
A atribuição legal das novas competências às Juntas é acompanhada de uma transição que não se traduz, diz a Proposta, por qualquer alteração ao vínculo de emprego público dos trabalhadores. A Proposta também indica como o universo dos trabalhadores a transitar se encontra dimensionado e os seus perfis. Diz-se que teriam sido consultados os presidentes de Junta, mas alguns deles ainda se queixavam, no mês passado, não terem até então sido ouvidos pela CML. E terá já sido preparado o normal processo de consulta aos trabalhadores para determinar quais estarão voluntariamente interessados nessa transferência? Se sim, quantos concordaram e para que freguesias e para que funções? Não existe qualquer anexo na Proposta que o explicite.
A Proposta também diz que “foram auscultados os sindicatos representativos dos trabalhadores do município de Lisboa”, mas, para variar, também não traz em anexo os seus pareceres sobre o processo em curso. E são também os sindicatos que se queixam de não ter havido qualquer diálogo entre Junho e o final do ano passado. Em suma, o que tem estado em causa para os trabalhadores é a garantia do seu vínculo à administração.
De facto, ninguém pode ser obrigado a mudar de empregador, ou ver unilateralmente alterado o tipo de contrato em serviço público que assinou quando entrou em funções no município. E para que a mudança preconizada na Proposta da CML aconteça é a própria lei que lhe define os termos a aplicar.
Ora, é a Lei nº 12-A/2008 que define como pode ocorrer a transição entre mapas de pessoal, por meio da denominada figura da “mobilidade interna”, figura que não pode ser desconhecida do sr. Presidente, já que ainda na passada 6ª fª foi publicado em DR uma autorização da srª vereadora de Recursos Humanos para a “consolidação definitiva na mobilidade interna” de um funcionário da CML para outra instituição.
Mais esclarece a referida Lei, no seu art. 60º, que “a mobilidade interna reveste as modalidades de mobilidade na categoria e de mobilidade intercarreiras ou categorias”. Esta mobilidade na categoria “opera-se para o exercício de funções inerentes à categoria de que o trabalhador é titular, na mesma actividade ou em actividade diferente para que detenha habilitação adequada”. Por outro lado, “a mobilidade intercarreiras ou categorias depende da titularidade de habilitação adequada do trabalhador e não pode modificar substancialmente a sua posição”.
Como deve então ser garantida a mobilidade interna? Clarifica o art. 61º da mesma Lei que, “em regra, a mobilidade interna depende do acordo do trabalhador e dos órgãos ou serviços de origem e de destino”. Logo, no caso presente, a CML não pode impor a transição de um trabalhador sem a sua auscultação prévia. Perguntamos, cumpriu o executivo os princípios exarados na norma legislativa em causa?
Questão chave para o entendimento deste processo de transição que a CML, quase unilateralmente, pretende levar a cabo é a duração da mobilidade interna. Com efeito, de acordo com o art. 63º, a mobilidade interna tem a duração máxima de um ano, sendo excepcionadas as relações jurídicas por tempo indeterminado. Passado este período, é necessário proceder-se, ou não, à denominada “consolidação da mobilidade na categoria”, podendo quer o empregador, quer o próprio trabalhador não estarem interessados nessa consolidação e ser necessário o regresso ao lugar de origem, no caso presente, voltar a ser integrado no mapa de pessoal e no posto de trabalho da CML.
Donde, a segurança no trabalho que os trabalhadores reivindicam é a necessidade de os lugares de origem lhes estarem reservados ou mesmo de pretenderem tão só continuar a manter o vínculo ao empregador CML, com quem, afinal, assinaram e mantém o seu actual contrato de trabalho. O contrário não passa afinal de uma clara obstinação do sr. Presidente da CML que, face aos pressupostos concretos que ainda estão plasmados na actual Proposta da CML, não clarifica nem viabiliza o futuro dos trabalhadores e muito menos a manutenção do seu vínculo à CML.
Não é de admirar, por isso, que os trabalhadores da higiene urbana tenham estado em greve no final do passado mês de Dezembro. Os cantoneiros são aqueles que se deitam quando muitos lisboetas acordam e começam a abrir os estores pela manhã. São aqueles que fazem turnos nocturnos de 6 dias por semana para puxar contentor do lixo, prender o contentor ao carro do lixo, libertar o contentor, verificar se está vazio e devolvê-lo ao passeio. Manuseiam todas as noites milhares de contentores e toneladas de lixo. Ah! Um filão a que alguns investidores gostariam de deitar a mão.
Consideram também os sindicatos que a saída de 1800 trabalhadores dos mapas de pessoal da autarquia para os mapas de pessoal das Juntas de Freguesia desmantelará os serviços municipais, levando à degradação da prestação do serviço público a que a população de Lisboa tem direito.
Apesar das alterações introduzidas pela Proposta nº 4/2014, o processo de transferência de competências para as Juntas de Freguesia, que consubstancia a transferência de recursos humanos e materiais, ainda não garante, face aos pressupostos concretos que lhe estão associados, o futuro dos trabalhadores e muito menos a manutenção do seu vínculo à CML. Trata-se de um processo feito à pressa e pouco transparente, que não apresenta critérios, nem fundamentação técnica e teórica, ou qualquer justificação, a não ser criar, quiçá, condições para externalizar áreas de interesse público por meio de ‘outsourcing’.
Em conclusão, “Os Verdes” questionam se aquilo que o sr. Presidente da CML tem em vista é, de facto, o iminente desmantelar dos Departamentos e das Divisões Municipais, precisando, para isso, de se ver primeiro livre dos funcionários, descartando-os pata tal equiparando-os a ‘coisas’, ou seja, espaços, vias e equipamentos? Aceitam os srs presidentes de Junta colaborar neste desmembramento das funções municipais? Porque rejeitam algumas freguesias o modelo imposto pela CML para estas novas competências? Porque criticam a falta de verbas e de informação? Talvez seja porque todo este processo está a ser acelerado e peque por falta de transparência.
Os dados estão lançados. A responsabilidade política está agora na decisão dos eleitos desta Assembleia. Mas a defesa dos vínculos e dos postos de trabalho continua, mais do que nunca, nas mãos das organizações representativas dos trabalhadores.
Grupo Municipal de “Os Verdes”
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