27/10/2015

2ª Intervenção sobre o Estado da Cidade, na Assembleia Municipal de Lisboa de 27 de Outubro de 2015



Se recuperarmos o debate do ano passado sobre o ‘Estado da Cidade’, deparamo-nos com a preocupação de “Os Verdes” para com um conjunto de questões que, inexplicavelmente, se mantêm hoje ainda quase anacrónicas, mas actuais.
Por exemplo, já na altura alertáramos para a ausência de uma estratégia municipal sustentável para a gestão dos Espaços Verdes da cidade de Lisboa. Ora, de novo este ano, o drástico e aleatório abate de arvoredo, um pouco por toda a cidade, trouxe à colação a continuação da ausência de medidas coordenadas para a sua gestão. Tal levou Os Verdesa apresentar uma recomendação sobre a necessidade de a CML apresentar ‘procedimentos de manutenção e substituição de arvoredo em Lisboa’ e respectivas medidas cautelares. Mas tarda a apresentação pela CML desse regulamento a esta AML, tal como tarda o da regulamentação dos tuk-tuk.
Outro exemplo incontornável na capital é o dos Transportes, mais concretamente os prolongados tempos de espera nas paragens da Carris e as persistentes avarias na rede do Metropolitano.
No caso dos utentes do Metro, estes continuam a deparar-se com a constante falta de manutenção dos equipamentos e dos acessos às estações, ora porque são os lanços das escadas rolantes fora de funcionamento, ou os tapetes automáticos parados durante longos meses, ou os elevadores com o sinal de avaria afixado, ou ainda obras paradas devido, diz-se, à falência do empreiteiro. É que uma coisa é haver um estrago e outra é serem avarias institucionalizadas, como, de facto, se continuam a verificar, já para não nos referirmos às reduções de tempos de intervalo de passagem, da velocidade de circulação ou do número de carruagens. Pelo que questionamos sobre que diligências têm sido feitas pelo executivo para acelerar a resolução destes avarias?
Mas existem outros exemplos da aparente inoperância da CML, como o estado da situação da Saúde na capital.
O diagnóstico da rede hospitalar da cidade de Lisboa detectou na década de 2000 um decréscimo generalizado em recursos humanos e físicos em número de estabelecimentos e de camas.
Em 2009, a AML aprovaria a Carta de Equipamentos de Saúde onde se identificavam as carências e as necessidades de equipamentos em Cuidados Continuados Integrados e Primários de Saúde (Centros de Saúde, USF). Essa análise listou a necessidade de construção de (dez) novas Unidades de Cuidados Primários de Saúde na cidade de Lisboa, na sequência de um Contrato-Programa entre a CML e o Ministério da Saúde.
Reconheceu-se que as instalações eram e são deficientes por não terem sido construídas para o efeito, umas degradadas outras onde o seu acesso nem sempre é fácil. Pelo que, passados todos estes anos, é de questionar se esse plano de intenções ficou na gaveta e se o Município deixou de pressionar o Governo para, em conjunto, prosseguirem a execução desses projectos.
Mas também, apesar de possuir as maiores e mais diferenciadas unidades hospitalares, faltam à população da cidade hospitais de primeira linha para cuidados secundários básicos, como cirurgia geral e medicina interna. Neste contexto, não é compreensível o sistemático processo de encerramento de unidades de saúde. Sintomático deste panorama tem sido o caso dos hospitais da Colina de Santana.
A CML começou por viabilizar 4 pedidos de informação prévia das operações de loteamento a realizar nos Hospitais de São José, de Santa Marta, dos Capuchos e Miguel Bombarda, argumentando com a importância e o interesse ‘excepcional’ desses projectos e as mais-valias que, dizia, poderiam trazer para a cidade, tendo determinado proceder à sua publicitação e consequente discussão pública em Julho 2013. Cedo se constatou, porém, que se tratava de um mero modelo de negócio para resolver problemas financeiros do Estado através da Estamo.
Por seu turno, a AML promoveu um debate específico, tendo a sua Comissão de Acompanhamento visitado no Verão de 2014, entre outras, as instalações do Hospital Miguel Bombarda e detectado os sinais de degradação existentes. Desde então, a CML parece estar ausente, não havendo qualquer retorno informativo sobre a requalificação da Colina. Porquê?
Não pomos em causa iniciativas urbanísticas para esta zona da cidade, intervenções que, norteadas por uma lógica qualificadora da fruição do espaço público e das infra-estruturas existentes, contribua positivamente para melhorar as condições de vivência urbana e para prover equipamentos necessários às comunidades residentes e ao desenvolvimento da cidade.
Acontece que nos últimos anos temos assistido a verdadeiras afrontas ao Serviço Nacional de Saúde, pondo em causa o direito constitucional do acesso à saúde, através de hospitais que encerram, que perdem valências, que têm falta de meios humanos e técnicos, horas intermináveis nos serviços de urgência e para se conseguir marcar uma consulta, centros de saúde cuja construção não passa de uma promessa, utentes sem médicos de família, medicamentos fundamentais que deixam de ser comparticipados, aumento dos custos com a saúde para os utentes e reduções constantes nas transferências do Orçamento de Estado para o SNS.
A cidade de Lisboa não tem estado imune a estas situações e muitos são os exemplos que poderemos referir, desde o encerramento dos Hospitais de Arroios, do Desterro, de São Lázaro, Miguel Bombarda e D. Estefânia, tentativas de encerramento da Maternidade Alfredo da Costa, perda de valências nos Hospitais Pulido Valente, Curry Cabral e noutros, milhares de utentes sem médicos de família, entre muitos, muitos outros, que representam um claro retrocesso no acesso à saúde.
É verdade que incumbe ao Estado garantir o direito ao acesso de todos os cidadãos à protecção na saúde, independentemente da sua condição económica, através do Serviço Nacional de Saúde universal, geral e tendencialmente gratuito. Mas também é verdade que a situação que se vive em Lisboa, coloca em causa o direito ao acesso a serviços de saúde, onde a CML deveria tomar uma posição clara e firme contra a destruição do SNS.
Pelo que “Os Verdes” não entendem porque não é o Município mais proactivo na defesa de mais e melhores serviços de saúde, repudiando quaisquer medidas que possam pôr em causa a universalidade da prestação dos cuidados de saúde consagrada na Constituição da República Portuguesa, ou seja, de uma política de saúde para a cidade de Lisboa que vá ao encontro dos princípios e valores do SNS, pugnando pela oferta de melhores unidades de saúde.
Outro exemplo não menos característico do tipo de intervenção da CML é o da área do Urbanismo.
Nos recentes Orçamentos apresentados pela CML, uma considerável percentagem tem sido oriunda da alienação de património, inscrevendo-se milhões de euros com a venda de terrenos, edifícios, habitação, património disperso, complementos de lote, palácios e direitos de superfície. Veremos se também para este ano haverá alguma desconexão entre a realidade e o previsto no próximo Orçamento.
Já em Junho do ano corrente, os GMs colocaram reticências sobre a alienação de vários edifícios e terrenos municipais, alertando a CML de estar a desvalorizar o seu património, com uma gestão não fundamentada do património classificado como não estratégico, por, sendo os critérios desconhecidos, poderem conduzir para fenómenos de livre especulação imobiliária. O sr. vereador diz que na cidade existem 588 que não terão “potencial de valorização a médio prazo”, mas nada mais se conhece, parecendo que o que importa é apenas ‘facturar a torto e a direito’.
Casos típicos foram as vendas de uma das áreas mais valiosas como o denominado ‘triângulo dourado’ em Alcântara, até agora ocupado por diversos serviços da CML, o terreno ocupado pelos bombeiros municipais entre o Colombo e o Hospital da Luz com comprador ‘pré-anunciado’, os já referidos projectos para Monsanto, os Terraços de Braço de Prata e o recente caso dos ‘jardins de Santa Apolónia’, mantendo-os, de facto, sob o interesse dos especuladores.
Em Santa Apolónia até não são propriamente’ jardins’, mas todo um vasto território que vai até Braço de Prata, que poderá ser entregue à especulação imobiliária, e que já antes tinha sido projectado na zona da Matinha para o GES, e hoje com a mudança das instalações da REFER que estarão a ser projectadas para Braço de Prata, para relocalizar os trabalhadores de Santa Apolónia, estranhando-se, por isso, que se tenha argumentado que Santa Apolónia sirva essencialmente para lavar comboios. Que falácia!
Em conclusão, a cidade não pode estar ao serviço de grupos especuladores ou ser pensada como uma mera zona de lazer para turistas e visitantes, devendo ser pensada também como espaço para o desenvolvimento de actividades económicas produtivas criadoras de emprego e como vivência para os que nela vivem e trabalham, com oferta de habitação a custos controlados que permita melhor repovoar e rejuvenescer a cidade.
E este é apenas um breve retrato do Estado da nossa Cidade, onde uns quantos negócios vão bem, quiçá à custa da qualidade de vida dos munícipes.
 
J. L. Sobreda Antunes
Grupo Municipal de “Os Verdes

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