10/03/2015

Intervenção sobre a Proposta nº 49/2015 - 3º relatório de monitorização do processo da reforma administrativa de Lisboa


Assembleia Municipal de Lisboa de 10 de Março de 2015

Analisamos hoje o 3º relatório trimestral de monitorização sobre o processo da Reforma Administrativa de Lisboa, o qual pretende espelhar o estado da arte até finais de 2014.
Defende-se que o objectivo da reforma em curso se centra no esvaziamento das obrigações camarárias e no reforço das competências das Juntas, por estas deterem um maior conhecimento local. Diz-se, também, que se pretende dar sequência aos anteriores protocolos de delegação de competências, para que passem agora de anuais a definitivos, a fim de permitir a consolidação de alguns instrumentos, como orçamentos participativos, a Agenda XXI Local ou os Conselhos de Freguesia ou de Bairro. Porém, passado mais de um ano, ainda não se divisa nenhum destes desideratos.
O processo até não estaria tão errado se salvaguardasse a coerência de uma gestão municipal integrada e equitativa para todos os trabalhadores e munícipes. Mas será que é cumprida esta aspiração? E será que esta sequência de relatórios de monitorização reporta, para além de observações elogiosas, as reais disfuncionalidades da reforma em curso?
Façamos então algumas citações. Convém recordar que estes relatórios são executados por ‘mão de obra’ da casa, pelo que não poderão ser totalmente imparciais em causa própria. Diz-se depois na p. 9, que a CML “tem disponível para consulta” a documentação sobre o processo desta reforma, desde os autos e seus anexos, aos dossiês técnicos e aos acordos tripartidos. Se os tem, passado mais de um ano, esta Assembleia continua a desconhecê-los.
Quanto à metodologia da monitorização, ela terá concertado entrevistas a dirigentes, com grupos de estudo e idas ao terreno, reconhecendo, no entanto, o próprio ‘Grupo de Acompanhamento e Monitorização da Reforma Administrativa de Lisboa’, na p. 16, que os indicadores quantitativos que obtiveram sobre as diversas áreas são afinal desiguais e escassos.
Quanto à transferência dos recursos financeiros, a CML e as Juntas terão promovido a reavaliação das receitas e dos custos. Os saldos apurados terão levado a eventuais correcções financeiras para acerto das assimetrias. Mas o facto é que não apenas subsistem disparidades alertadas pelos executivos de algumas Juntas, como é recorrente esta Assembleia se deparar com ‘incoerências’ entre saldos e défices, o que tem inviabilizado um correcto acompanhamento deste plenário e uma compreensão clara e objectiva por parte dos GMs.
Já quanto à transição dos recursos humanos, dos 185 registos de voluntários, apenas 93 foram aceites nas Juntas. Os restantes 85 acabariam por não transitar, ou por não terem sido aceites pelos executivos ou porque acabaram de desistir do seu próprio registo de voluntariado, o que denota o receio óbvio pela mudança para o incerto.
Fazendo-se uma análise integrada das três fases de transição de recursos humanos da CML para as 24 Juntas de Freguesia, procedeu-se à transição de 1270 funcionários, baixando a taxa de satisfação de 95% para apenas 27,5%, o que terá sido verdadeiramente sintomático das incertezas sobre o desenrolar deste processo. Ou seja, para alem do regime de voluntariado não ter obtido os resultados esperados, também muitos dos funcionários se defrontaram com dúvidas sobre a sua segurança laboral, casos de desigualdade no acesso aos serviços sociais e urgência da manutenção de outros direitos, levando esses trabalhadores a manifestarem publicamente o seu protesto perante a perspectiva de extinção futura do seu posto de trabalho no município.
Quanto à transferência de meios, o relatório atesta na p. 66 que subsistem as anteriormente denunciadas “avarias nos equipamentos mecânicos e veículos recebidos”, facto que uma coordenação centrada no DRMM, facilmente poderia solucionar se, para tal, houvesse uma visão de conjunto e vontade política por parte da CML, o que, notoriamente, não existe.
Também na manutenção dos espaços verdes e jardins, a p. 71 do relatório evidencia a extensão e o mau estado das estruturas recebidas, não complementadas com os recursos humanos necessários, pelo que as Juntas optaram por soluções de facilitismo com a contratualização de serviços externos, o que demonstra que o processo em curso conduziu à inversão da prestação de um serviço que deveria ser público. Ou seja, é indesmentível que se incrementaram em algumas Juntas os recibos verdes e os ‘outsourcings’.
Quanto aos equipamentos escolares subsiste a necessidade de realização de obras pela CML, visto as Juntas não disporem dos necessários meios financeiros. Os executivos, ao referirem a falta de informação sobre contratos, custos de manutenção e investimentos previstos, confirmam um grau de preocupação relativamente elevado (p. 87). Existem também relevantes problemas de manutenção de alguns equipamentos desportivos e casos de Juntas que aprovaram novas tabelas de taxas diferenciadas, aumentando de forma relevante os preços (p. 92). E a situação repete-se lamentavelmente com o mau estado de conservação de vários parques infantis (p. 99).
O relatório constata o facto de algumas Juntas ainda não se apresentarem tecnicamente preparadas para executar as competências transferidas, existindo por isso alguma apreensão na sua gestão. Os próprios recursos humanos, afectos a serviços que não perderam competências, identificaram inclusive dificuldades internas, como a sobrecarga dos trabalhadores que permaneceram nos serviços da CML. E quanto ao processo de transição em si, até os dirigentes reconheceram que há serviços a serem prestados de forma diferenciada, consoante cada Junta de Freguesia.
A disparidade destas situações poderia ter sido previamente resolvida com a elaboração de regulamentos municipais comuns, o que a CML não acautelou. E porque não promoveu a CML estas soluções óbvias? Pela sua ânsia e precipitação na rápida imposição das transferências.
Em conclusão: o relatório diz-nos que continuam a observar-se problemáticas comuns, persistindo a fragmentação de políticas e a duplicação de serviços. São sentidas insuficiências pela falta de recursos humanos qualificados, conducente à contratação de serviços externos, limitações impostas pelo estatuto dos eleitos locais, o desajustamento de recursos financeiros e de contratos, a insuficiência das instalações, taxas diferenciadas, o mau estado e as avarias patentes em inúmeros equipamentos transferidos, os custos das necessárias manutenções, etc.
Pelo que o Grupo Municipal de “Os Verdes” interroga se a CML assume ou não os encargos pela reparação dos equipamentos com problemas ou se a despesa terá de sair dos orçamentos das Juntas. Gostaríamos também de entender, passado um ano, para que serviram afinal estes Relatórios se, entre o 1º e o 3º, a CML não corrige as deficiências apontadas aos serviços municipais transitados.
Assumindo os relatórios uma atitude laudatória, não deixam de desencobrir o véu das fragilidades sentidas neste processo. Pergunta-se: até ao momento, o que ganharam os munícipes e os trabalhadores com ele?

J. L. Sobreda Antunes
Grupo Municipal de “Os Verdes

Sem comentários: