O sr. Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia apresentou recentemente uma denominada proposta de Compromisso para o Crescimento Verde, onde defende, entre outras soluções, “medidas dissuasoras de utilização do automóvel individual, como portagens nas cidades, destinadas ao financiamento dos transportes públicos”. E argumenta que com a conclusão do Programa de Assistência Económica e Financeira, monitorizado pela Troika, seria agora fundamental estabelecer e concretizar uma visão pós-troika que implicaria “a manutenção do indispensável comprometimento duradoiro de responsabilidade orçamental”.
Entre estratégia orçamental e portagens, onde está afinal o beatífico objectivo do Governo? Serão as portagens uma solução para conter a entrada de veículos, por exemplo, em Lisboa? Ou não estará o Governo, encapotadamente, a esconder novos impostos sobre os cidadãos? Com efeito, e segundo anunciou este mês (no passado dia 18/9) a Estradas de Portugal, as receitas de portagem aumentaram 8,6%, ou seja, 86,5 milhões de euros, nos três meses de verão deste ano em relação ao período homólogo de 2013. Trata-se de um encaixe substancial para os cofres do Estado. E se ainda lhe pudéssemos acrescentar mais umas portagenzinhas…
No entanto, como defendem outros especialistas nesta matéria, “se o Governo estivesse realmente preocupado com as questões do ambiente e da mobilidade, não aumentava a carga fiscal de quem utiliza automóvel; aumentava sim a abrangência espacial e a frequência temporal dos transportes públicos e os benefícios fiscais de quem os utiliza”.
Por isso, quando nos vem um grupo - a Coligação para o Crescimento Verde - dizer que foram elaborados estudos sobre a melhoria da qualidade do ar, e uma das medidas que são propostas é justamente a introdução de portagens para os automóveis que entram nas cidades, a afirmação merece uma análise mais abrangente, para além não apenas dos impactos de cariz ambiental, como também considerando as suas implicações sociais e económicas sobre o quotidiano das famílias das grandes metrópoles.
Senão vejamos. A quem prejudica e quem acabará por beneficiar com esta medida? Será que se trata de um projecto sustentável e socialmente equilibrado? Na área da Grande Lisboa, porque existem portagens em algumas circulares, enquanto a IC19, que até tem uma linha ferroviária paralela ao seu itinerário, ou a A5 de Oeiras para Lisboa e a A8, no troço de Loures para Lisboa, não têm portagens? Porque não se dá prioridade à implementação de mais faixas ‘bus’ ou a linhas de transporte ferroviário rápido com interfaces? Porquê criar restrições de carácter económico, se a aplicação de outras medidas mais objectivas poderão ser também dissuasoras do transporte individual?
É sabido que ela foi já aplicada em cidades como Londres e Estocolmo, tendo como principal objectivo a diminuição das emissões de dióxido de carbono (CO2), que constituem um dos principais factores de poluição das cidades. Que o que se pretende é criar portagens nas entradas das principais cidades, como Lisboa e Porto, ou apenas permitir o acesso em dias interpolados da semana, ou mesmo, por exemplo, pelo recurso à autorização do acesso alternadamente a viaturas com matrículas, ora pares num dia, ora ímpares nos outros. Mas podemos comparar a rede de transportes de Londres ou as alternativas de circulação em Amesterdão com as de Lisboa ou do Porto?
1ª questão: Interessarão as portagens às Câmaras ou aos munícipes? A elas talvez não, embora não o confessem abertamente. E porquê? Porque investiram na construção de vários parques de estacionamento, fizeram aprovar taxas de estacionamento, à superfície e subterrâneo, e precisam da colecta das ‘moedinhas’. Quanto mais ‘pilim’ tilintar na máquina, melhor para os seus depauperados orçamentos. O resultado seria: Municípios - 1 x Munícipes - 0.
2ª questão: Será que quanto mais portagens existirem, menos carros entram nas cidades? Ora, nós já temos esse exemplo implementado em Lisboa, na Ponte 25 de Abril. Ou seja, temos o modelo de portagens numa determinada zona de Lisboa - para os acessos de algumas pessoas e localidades da margem sul - que bem se vê, pelos longos engarrafamentos a que assistimos, não tem qualquer efeito relativamente ao objectivo pretendido. Isto é, não houve qualquer redução do transporte individual nas entradas das Pontes 25 de Abril e Vasco da Gama por causa das portagens que aí existem. Depois, o custo de um bilhete no comboio da Fertagus é mais caro do que um bilhete de quem vem de longe e usa outro tipo de transporte público. Donde, mais estradas igual a mais viaturas e mais tráfego. Resultado: Poluição - 1 x Ambiente - 0.
3ª questão: Das duas uma. Ou a fronteira é muito estreita e contempla apenas a zona central ou a Baixa citadina, que até já deveria ser maioritariamente pedonal e ciclável, ou se encontra posicionada nos limites mais periféricos. Então, se as portagens são para impedir o acesso à cidade, quem já vive nela e está dentro do perímetro de circulação autorizado sai beneficiado. Não seria uma medida discriminatória?
4ª questão: Também se apenas acederem, alternadamente, viaturas de matrícula par ou ímpar, quem só possui um utilitário familiar não entra, mas as famílias mais abastadas, que possuam 2 e 3 carros, entram sempre à mesma na cidade: às 2ªs, 4ªs e 6ªs entre as matrículas pares; às 3ªs, 5ªs e sábados entrariam as matrículas ímpares. Voltaria a ser uma opção discriminatória.
5ª questão: Impostos, são sempre os mesmos a pagá-los. Ou seja, quando um casal vem em viatura particular trabalhar para a cidade e traz uma criança para um infantário, se deixa de o fazer e tem de usar o actual minimalista sistema de transportes, sai penalizado. Então, porque não promover os transportes públicos com uma tarifa bilhética para passes familiares, pelo número de membros na família? No caso de um quadro dirigente ou administrador, que se desloca em carro de topo de gama, seu ou da empresa em que exerce funções, por vezes com motorista, entra sempre na cidade, porque o seu orçamento ou o da empresa pode suportar os encargos das eventuais taxas de acesso. Auferindo um bom ordenado ou pagando-lhe a empresa a compensação pela taxa, entra sempre no referido perímetro. Pelo que as famílias mais pobres ficam de fora. É ou não é discriminatório?
6ª questão: Esta tentativa de desincentivo do uso do automóvel particular, transferindo o Governo o ónus sobre os munícipes, constitui uma medida manifestamente impopular. Depois, não passa de uma forma de sobrecarregar ainda mais as famílias, que neste momento já encaminham uma percentagem considerável do seu orçamento familiar para o custo dos transportes, para além de já terem contribuído para o erário público através dos impostos.
Finalmente, o Governo, que mais não tem feito do que prosseguir políticas erradas em relação à mobilidade e tem empurrado cada vez mais os portugueses para fora dos transportes colectivos e para o recurso ao automóvel individual, o que tem em vista é a privatização de um serviço público indispensável ao dia a dia de estudantes, idosos e trabalhadores em geral.
O Governo vota ao total desprezo a resolução dos problemas dos vários sistemas de transportes colectivos, a bilhética, a resolução dos problemas da intermodalidade entre os vários sistemas de transporte público, o uso de veículos com baixa emissão de poluentes ou, por exemplo, a construção de novos troços ferroviários que garantissem um acesso rápido à capital. A tutela não parece interessada em incentivar o uso do transporte colectivo movido a energias mais limpas, nem incentiva o papel das tão reclamadas Autoridades Metropolitanas de Transportes. O Governo deveria dar orientações às empresas públicas de transportes para repor e reforçar horários de circulação e carreiras de transportes públicos na cidade de Lisboa, anuindo, em complemento, na criação de bolsas de estacionamento nos interfaces à entrada da cidade.
Aqui sim, haveria uma óbvia vantagem, tanto para o ambiente, como para uma qualidade de vida mais saudável, quer para a bolsa do cidadão, quer para um desenvolvimento sustentável alternativo. Que se alarguem antes as faixas ‘bus’ e se estimule o uso do transporte público colectivo. Corrijam-se os regulamentos de cargas e descargas. Estimulem-se campanhas de sensibilização nas escolas para o perigo das alterações climáticas e para o uso das energias alternativas.
Em suma, é importante deixar claro que as portagens, sem alternativa de transporte, como uma rede de transportes públicos eficiente que crie verdadeiras opções de utilização às pessoas que diariamente se deslocam, não é uma boa medida ambiental, porque não serve nenhum propósito de diminuição de tráfego e não contribui em nada para a diminuição da circulação do automóvel particular e da redução das emissões poluentes e, por consequência, da própria saúde dos munícipes. O objectivo real da ‘solução portagens’ é apenas um novo aumento de impostos. Afinal, quem está interessado em correr atrás da solução ‘portagens’? Os residentes e munícipes não de certeza.
J. L. Sobreda Antunes
Grupo Municipal de “Os Verdes”