08/02/2007

Candidatura de prédios "adormecidos" ao Guinness ?


Os exemplos que se seguem constituem um actualíssimo conjunto de postais turísticos sobre Lisboa. Tão actual, que todas as fontes citadas têm a data de hoje.
Em Campolide:
“Um edifício em avançado estado de degradação em Campolide, Lisboa, obrigou hoje à intervenção dos bombeiros para evitar que ruísse para cima do prédio vizinho, disse à Lusa fonte dos bombeiros. O prédio, situado no número 82 da Rua de Campolide, foi atingido por um fogo há muito tempo e actualmente encontra-se em risco de ruir. Os bombeiros estiveram no local a retirar parte da empena e da parede que ameaçava ruir para cima do prédio situado no número 84, adiantou a mesma fonte”.
Na Travessa do Machado, na freguesia da Sé:
“Um edifício em ‘muito mau estado’ também levou os moradores a alertar os bombeiros devido à chuva que entrou dentro do edifício, composto por armazém, rés-do-chão e primeiro andar. A cobertura está em muito mau estado e chove no interior do edifício", adiantou a fonte dos bombeiros. Devido à degradação do edifício, os bombeiros chamaram a Protecção Civil ao local, que oficiou o proprietário para fazer obras”.
Fonte: Lusa, 2007-02-08, 13:22.

Dir-se-á que terá sido apenas uma situação fortuita na capital do país. Mas não. Trata-se, bem pelo contrário, de dois entre muitos outros prédios com situações semelhantes na cidade de Lisboa. Senão confiram-se outras realidades em outros órgãos de comunicação.
No DNotícias de hoje lê-se no artigo “Viver sem vizinhos num prédio de Lisboa”
http://dn.sapo.pt/2007/02/08/cidades/viver_vizinhos_predio_lisboa.html
Num dos edifícios da Rua da Conceição...
“Fica às voltas na cama. Tenta escutar se ainda há eléctricos nas ruas da Baixa, mas o centro de Lisboa dorme mais cedo (...) Já teve a casa cheia de sogros, genros e irmãos, mas nunca soube o que são vizinhos. Sempre foram os únicos inquilinos (...) No 3.º andar está instalada a casa de hóspedes (...) o piso de baixo serve de armazém e o primeiro nunca foi habitado (...) Ao fim de 50 anos, há indícios de que o 1.º piso venha a ser arrendado em breve (...) Era bom ter alguém a quem pedir ajuda em caso de aflição, isso era".
Na Rua das Madres, Bairro da Madragoa:
“Há o soalho que range com a mudança do tempo, os estalidos da cómoda do quarto, o zumbido do frigorífico e o esgravatar do rato escondido na sua sala (...) Os vizinhos abandonaram o edifício no fim do ano passado: A casa estava em tão mau estado que eles não aguentaram (...) Tem 69 anos e há 62 vive na mesma casa. Envelheceu quase ao mesmo tempo que o seu prédio, mas soube manter-se em melhor forma (que o prédio) (...) No móvel da sala guarda um ‘dossier’ que é uma espécie de diário das doenças do edifício: fissuras nas paredes, crateras no soalho e cada uma das visitas dos técnicos da Câmara de Lisboa e da EPAL estão anotados em caligrafia perfeita. Em Dezembro de 2004, uma rotura na canalização do prédio deixou-o sem água. Até hoje.”
Na Rua da Esperança “há estranhos no piso de cima”:
A meio da madrugada, “ouviam passos e vozes em surdina vindos do piso de cima. Barulhos pouco familiares para um prédio de quatro andares, habitado apenas pelo casal (...) Com os apartamentos quase todos vazios, alguns toxicodependentes vinham para aqui passar a noite (...) Os intrusos foram expulsos, mas para isso foi preciso certificar que a porta de entrada fica trancada todas as noites (...) Chegará a vez (...) de deixarem também o edifício em risco de ruína. Desde 2002 esperam que o proprietário proceda ao seu realojamento temporário antes de o imóvel, na freguesia de Santos-o-Velho, entrar em obras. Mas o processo arrasta-se e o casal não tem outra alternativa senão remendar o apartamento com o que tem à mão: tábuas de madeira cobrem os buracos que entretanto se abriram no chão e nas paredes, baldes acumulam gotas da chuva, molduras com fotografias de família escondem manchas de humidade. Parte do soalho da cozinha afundou-se (...) Só lá entra com instruções rigorosas do marido, que cartografou na memória todos os cantos onde ainda é possível pôr o pé em segurança. Sair de casa só quando é obrigatório, avisa a moradora, que ainda se queixa das dores de quando a escadaria do prédio se desmoronou: Foram precisos três bombeiros para me tirar dali."
Na Travessa do Grilo, na freguesia do Beato:
“Dois quartos e uma varanda estão interditos por apresentarem perigo de derrocada (...) Continua a dormir num deles, porque já não lhe resta mais espaço. Deita-se depois das 10.00 da noite e fica a vaguear pelo passado."
Mas também o Público de hoje reporta uma situação semelhante no artigo “Mais um prédio das Avenidas Novas com risco de queda de materiais”.
“O largo passeio junto ao número 3 da Av. Miguel Bombarda, uma artéria central da capital, está praticamente interdito à circulação dos peões desde o início de Janeiro. A razão é simples e infelizmente demasiado comum em Lisboa: o risco iminente de queda de materiais do edifício levou o Regimento de Sapadores Bombeiros de Lisboa (RSBL) a criar um perímetro de segurança em seu redor, de forma a garantir a integridade física de quem por ali passa. É por isso que o prédio de quatro andares está há mais de um mês rodeado por fitas e grades dos bombeiros, que ninguém sabe quando poderão sair do local, devolvendo por fim o passeio aos peões. O comandante do RSBL é o primeiro a salientar que a situação não é inédita na cidade, acrescentando que a zona das Avenidas Novas, em que se integra a Av. Miguel Bombarda, é aliás uma das mais atingidas por este flagelo.”

Todos estes ‘postais’ têm a data de hoje. Por muitas SRUs que se criem na cidade, por muitos “corações de plástico” que se insuflem no Terreiro do Paço como candidatura ao Livro de Recordes, há quem circule sem segurança na via pública e quem continue a viver sem vizinhança nos prédios em mau estado de Lisboa. Logo à noite, quando a cidade adormecer, esperam apenas que os prédios onde residem não entrem para o Guinness pelas piores razões.

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