07/02/2007

A insustentável leveza do “paradigma” da Câmara de Lisboa

Realizou-se hoje, dia 6 de Fevereiro, uma reunião extraordinária da Assembleia Municipal de Lisboa, para se analisar “o actual momento político autárquico da cidade”. A sessão foi originada pelos recentes desenvolvimentos na Câmara de Lisboa que propiciam uma imagem assaz problemática, senão mesmo casuística, da actual gestão autárquica.
Competindo à Assembleia Municipal “acompanhar e fiscalizar a actividade da Câmara”, conscientes da preocupação que constitui para os cidadãos em geral e para os eleitos que os representam, os agrupamentos municipais - PS, PCP, BE e PEV - decidiram requerer à srª Presidente da Assembleia Municipal a "convocação urgente de uma Sessão Extraordinária" com a finalidade de se "debater o actual momento político".
Aqui se transcreve a intervenção de abertura de “Os Verdes”.
«O que se pretende é, de facto, e perante as informações disponíveis, compreender o actual rumo e o futuro desempenho do executivo, procurando ajudar a melhor discernir e sustentar as relações, não apenas entre os dois órgãos autárquicos, como com outros intervenientes na administração do município e os cidadãos em geral.
Em primeiro lugar, nos fluxos entre a Câmara e esta Assembleia há muito que se detectou a incompreensível ausência de uma das principais funções do processo comunicacional, e que passa pelo não reconhecimento do papel político dos diversos intervenientes no imperfeito acto de “quem, diz o quê, por que canal, a quem, com que resultado”.
Este famoso paradigma sugere uma linearidade típica das teorias de persuasão e dos estudos de comunicação de massas do final do pós-guerra, em que há um emissor activo e um mero receptor passivo que se limita a reagir aos estímulos. Num processo de estrita propaganda a fórmula de Lasswell poderá ser perfeita. Só que o modelo, ao fazer crer que o acto de comunicar apenas se desenrola num só sentido, é unidireccional e ignora o ‘feedback’ e o permanente diálogo que lhe deve estar subjacente.
É neste sentido que as relações de uma Câmara com o município que gere envolvem um processo de comunicação institucional dialéctico. Implica que, se a CML não pretende ficar isolada nas suas decisões, deve também, democraticamente, saber ouvir os outros órgãos eleitos, agindo em conformidade com este ‘feedback’.
Por exemplo, na elaboração de um orçamento participativo. Não sabe como? Precisa de um modelo? Siga o de Carnide. Na preparação de um plano de actividades? Oiça as instituições que dão vida ao município e elevem-se as taxas de execução. Na organização do orçamento? Não seja despesista, preserve e rentabilize o património municipal. Em propostas concretas apresentadas em sessão de Câmara? Cumpra os regulamentos em vigor, designadamente o PDM. Será que foi isto que fez no empreendimento da Infante Santo, com o Vale de Santo António, ou a permuta dos terrenos de Entrecampos com o Parque Mayer? Que dizer da polémica gestão da EPUL?
Em segundo lugar, as relações com a própria Assembleia Municipal. Neste areópago analisam-se documentos produzidos pela Câmara, mas também Recomendações e Moções vindas de todas as bancadas aqui presentes. Quase sempre impera o citado paradigma, em que o executivo camarário, e a maioria que aqui a sustenta, se isolam e viram as costas a quase tudo o que não é de sua autoria. Exemplo desta constatação, são as diversas propostas aprovadas no seio desta Assembleia, cuja percentagem de posterior implementação pelo órgão executivo se restringe a um mínimo simbólico, senão mesmo nulo. É o caso das Recomendações apresentadas por “Os Verdes”. Pode o PSD esclarecer quantas foram levadas à prática pelo executivo?
E o que dizer das próprias Juntas de Freguesia? São-lhes propostos anualmente e unilateralmente protocolos de descentralização de competências, que omitem, muitas vezes, as necessidades mais prementes das populações no seu dia a dia. Mas desse ‘handicap’ falarão alguns dos presidentes aqui presentes.
Mas pior que as conexões institucionais, também nas relações directas da CML com os habitantes do Município está ausente um dos principais fluxos de comunicação e que passa por a Câmara se esquecer de ouvir, representar e resolver as questões que afectam as forças vivas da cidade, ou seja, toda a população que nela diariamente vive e trabalha, tenham ou não votado na actual maioria.
De um lado, temos os interesses da especulação imobiliária que não olham aos princípios de uma construção que preserve a traça histórica e as potencialidades turísticas da capital. Do outro, temos os lisboetas e as associações que os representam, sejam elas de moradores, económicas, desportivas, culturais, ambientais ou outras.
Lisboa chega a ser conhecida como a capital do capital especulativo na bolsa, no imobiliário e nos lucros fabulosos dos grupos financeiros. Não deveria dar-se mais atenção aos bairros, à articulação entre freguesias e órgãos autárquicos e associações locais, valorizando o espaço público, melhorando a qualidade do parque escolar, a circulação preferencial dos transportes públicos, a higiene urbana, a qualidade de vida e dos espaços verdes, apelando à participação dos habitantes em projectos de cultura e de lazer? Existe, porém, uma lamentável e incompreensível situação de “orelhas moucas”.
Para "Os Verdes", as razões deste debate deverão, por isso, ir muito para além de meras suposições, informações atípicas, esclarecimentos transcendentes ou balanço de execução de actividades, sendo antes desejável que se equacionem estratégias alternativas de gestão da cidade, invertendo o actual rumo, e tendo sempre em vista um desenvolvimento sustentável para a vida dos cidadãos que nela vivem e trabalham.
O que se pretende determinar é até que ponto está o actual executivo disponível para: 1º - inverter as políticas de cedência aos imediatistas interesses especulativos imobiliários; 2º - em alternativa, comprometer-se com projectos que dêem prioridade à resolução dos problemas sociais e da qualidade de vida dos fregueses; 3º - fomentar medidas conducentes a uma perspectiva de desenvolvimento socialmente equilibrado e justo. Foi nesse pressuposto que os lisboetas deram o seu voto. Não é o que hoje constatam.
Porque saber ouvir, dialogar e cooperar é uma virtude eminentemente política. A não ser que esta Câmara opte pelo tristemente célebre princípio do “orgulhosamente só”. Pois, caso contrário, a manterem-se estas condições, e sabendo os cidadãos de Lisboa que uma outra Lisboa é possível, daí rapidamente tirarão as suas ilações».
Batem leve, levemente, como quem chama pelo cidadão eleitor, a oposição não é certamente, será a insustentável leveza do “paradigma” da Câmara de Lisboa?

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