08/09/2015

1ª Intervenção do Deputado Municipal do PEV, Sobreda Antunes, na Declaração Política «Contra a privatização da água», na Assembleia Municipal de Lisboa, 8 de Setembro de 2015


 

Os Verdes” trazem hoje a esta Assembleia o tema da Defesa da Água como um bem público.
Recentemente, o Governo procedeu à reorganização do Grupo Águas de Portugal por meio dos D.-Lei nºs 92, 93 e 94/2015, de 29 de Maio, fundindo os actuais sistemas multimunicipais e criando novas mega-empresas.
Com o Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Lisboa e Vale do Tejo, e pela constituição da Sociedade Águas de Lisboa e Vale do Tejo, S. A., atribuiu a esta empresa a concessão da exploração e da gestão do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Lisboa e Vale do Tejo.
Pretende-se, assim, levar a cabo uma reforma do sector das águas, que passa por um fortíssimo emagrecimento do grupo Águas de Portugal. Para os municípios afectados, trata-se, no entanto, de uma dúbia reforma para o sector das águas.
O objectivo central do Governo reside em concentrar capital, clientes e volumes de negócios, à custa da expropriação dos activos municipais nos sistemas de água e saneamento, com vista a criar condições de escala e preços para a sua futura privatização, já não apenas por via da subconcessão, conforme está já legalmente previsto, mas também com a possibilidade aberta de, por estes diplomas, o respectivo capital social das empresas poder ser privatizado até 49%. Decisão contra a qual as autarquias nada poderão fazer, pois além da perda de poder societário, os municípios são remetidos para um mero Conselho Consultivo, órgão sem qualquer poder efectivo.
Trata-se de um processo que não tem verdadeiramente associada qualquer justificada preocupação com a coesão social e territorial, a melhoria dos serviços prestados ou a salvaguarda dos direitos das populações, mas tão só com a criação de condições para a futura privatização destes serviços. O resultado será o aumento da factura ao consumidor final em todo o país. No litoral, como resultado das fusões, e no interior, devido às imposições da ERSAR e da situação deficitária dos sistemas, o que levará a que a maioria dos municípios tenha de subir as tarifas, em alguns casos, mais até do que no litoral, agravando assim a vida de milhares de famílias.
O descontentamento dos municípios ameaça chegar aos tribunais, pois a proposta é inaceitável por agravar as tarifas pagas pelos munícipes e porque coloca em causa a autonomia local, diminuindo o peso dos municípios nos processos de decisão no sector e reduzindo postos de trabalho, sendo mais um contributo para uma cada vez menor autonomia do poder local. Ou seja, este processo não nasce da melhor forma para o poder local. Mesmo segundo alguns autarcas sociais-democratas, a resposta política terá de passar pelo caminho dos tribunais, para defesa da posição dos municípios accionistas.
Com esta fusão das empresas de distribuição de água em alta, os municípios estão a ser desafiados a pagar os desvarios da Águas de Portugal, com vastas administrações das diversas empresas pagas a peso de ouro. O que parece estar agora verdadeiramente por detrás desta reforma é pagar agora, com juros elevadíssimos, os erros de gestão cometidos pela Águas de Portugal durante anos, o que não representa solidariedade e é feito sem qualquer indemnização, facto que não pode ser acometido à responsabilidade dos municípios.
Ou seja, pelo D.-Lei nº 94/2015, são transferidos para a Águas de Lisboa e Vale do Tejo, S. A., o património global das sociedades Águas do Norte Alentejano, S. A., da Águas do Zêzere e Coa, S. A., da SANEST - Saneamento da Costa do Estoril, S. A., da SIMARSUL - Sistema Integrado Multimunicipal de Águas Residuais da Península de Setúbal, S. A., da SIMTEJO - Sistema Integrado dos Municípios do Tejo e Trancão, S. A., da Águas do Oeste, S. A., da Águas do Centro, S. A., e da Águas do Centro Alentejo, S. A.
Mas uma das questões chave é que a generalidade destas empresas havia previamente incorporado equipamentos que haviam sido construídos, na maioria dos casos, pelos municípios, tais como estações elevatórias, estações de tratamento de águas residuais e condutas que foram depois concessionadas aquelas empresas. De repente o Governo decidiu-se pela extinção daquelas empresas, criando uma outra com mais de 80 municípios, com uma gestão centralizada, em que os municípios não têm qualquer participação, ficando espoliados do seu património e sujeitos a um aumento substancial de tarifas nos próximos anos, quer pelo acesso à água, quer pelo tratamento das águas residuais.
As tarifas anunciadas indicam um aumento da ordem dos 20%, quer no preço da água, quer no tratamento de esgotos. Para os municípios, são aumentos que dizem não poder vir a suportar ou que, em alternativa, terão de passar a ser reflectidos na factura do consumidor final, pondo em causa o princípio do direito de acesso à água.
Porque se prepara o Governo para provocar o aumento das tarifas? Para depois não ter de ser o privado a fazê-lo? Para garantir um acréscimo suplementar dos lucros do novel Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Lisboa e Vale do Tejo? Ou seja, de uma penada, o Governo cria um ‘bolo’ deveras apetecível para o sector privado.
Para “Os Verdes”, há que consagrar a propriedade comum da água e da igualdade de direito ao seu usufruto como um direito de cidadania. Há que garantir o acesso de todas as pessoas à água potável como um serviço público. Há que manter os serviços de água sob propriedade e gestão públicas e sem fins lucrativos. Há que garantir o enquadramento legal, institucional e de administração económica que garanta de facto o direito de cada pessoa à água, à saúde e a uma gestão sustentável da natureza e dos recursos naturais. Há que defender a gestão integrada da água como responsabilidade pública inalienável, assegurada por legítimos representantes dos cidadãos, visando a melhoria do bem-estar comum da população actual e das gerações vindouras. Há que promover serviços públicos de água competentes, transparentes e funcionais dotados dos recursos necessários. Há que assegurar uma gestão da água baseada num planeamento participado e democrático.
O acesso à água e ao saneamento é um direito humano fundamental, sendo inequívoco que a propriedade e a gestão destes serviços essenciais se deve manter sob controlo dos poderes públicos, democraticamente eleitos, em particular, sob a esfera municipal e dotada dos recursos adequados, como melhor garantia da oferta de água pública e de resolver as necessidades diárias das populações.
Pelo que, mais do que nunca, urge defender a água como um bem público e apoiar as iniciativas conjuntas conduzidas pelos municípios da Área Metropolitana de Lisboa. É esta a tomada de posição que “Os Verdes” propõem a esta Assembleia.

Sobreda Antunes
Grupo Municipal de “Os Verdes

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