05/03/2008

Debate sobre a nova Lei Eleitoral das Autarquias Locais

Teve lugar ontem na Assembleia Municipal de Lisboa, o debate específico sobre a nova lei eleitoral das autarquias locais.

O deputado da Assembleia da República, José Miguel Gonçalves do Partido Ecologista "Os Verdes" fez a intervenção que se transcreve de seguida:


Exmos. Srs:


No passado dia 18 de Janeiro foi aprovado na Assembleia da República, na generalidade, o Projecto-Lei proposto pelo Partido Socialista e pelo Partido Social Democrata, relativamente à nova Lei Eleitoral para as Autarquias.
Tal como em qualquer outra iniciativa parlamentar, teria sido bom, que em primeiro lugar, os Portugueses conseguissem perceber o motivo da vinda desta matéria a debate e do empenho do PS e do PSD na alteração da Lei Eleitoral para as Autarquias, quando existem tantas outras matérias que são motivo de preocupação para os cidadãos e que deveriam merecer a iniciativa parlamentar e o debate na Assembleia da República. Não havendo até hoje, tal explicação, e estando “Os Verdes” certos, que este não é um dos assuntos que preocupa os Portugueses, bastando observar o alheamento existente em torno do que esta lei comporta, importa então avaliar, o que esta mal no sistema eleitoral autárquico vigente, que os Portugueses na sua generalidade não conseguiram vislumbrar, mas que está claro para os dois maiores partidos. Questionemo-nos então acerca dos possíveis motivos: Existe um problema de ingovernabilidade nas autarquias Portuguesas? Não. Apenas 10% das Câmaras não detêm uma maioria absoluta. Esta lei resolve o problema da transparência? Não. Pelo contrário, diminui o poder fiscalizador das oposições e a independência dos vereadores perante a Presidência. Esta Lei aproxima os cidadãos dos eleitos? Não. Os cidadãos passam apenas a eleger os deputados municipais e os presidentes e deixam de participar directamente na eleição dos vários vereadores responsáveis pelas diferentes áreas de intervenção das autarquias. Esta lei aumenta a qualidade democrática?Não. Pelo contrário, deturpa os resultados eleitorais, criando executivos com maioria absoluta onde eles não existem. Ou seja, também nas respostas a estas questões não se vislumbra os motivos da alteração à lei. E aquilo a que “Os Verdes” chegam à conclusão, é que esta não é uma lei, que vá no sentido do interesse e das preocupações dos cidadãos, mas unicamente, uma iniciativa orientada para o interesse e preocupação, só e apenas, dos dois maiores partidos. Aquilo a que “Os Verdes” chegam à conclusão e importa que sejamos claros, é que aquilo que foi a discussão no Plenário da Assembleia da República, em torno da alteração à Lei eleitoral para as Autarquias, foi a discussão das necessidades do PS e do PSD em matéria eleitoral e não, a discussão em torno daquilo que são as necessidades do país, no sentido de uma lei eleitoral que transfira maior qualidade ao nosso sistema democrático. Por outro lado, importa salientar a notória falta de consenso em torno desta lei, dentro dos próprios partidos proponentes desta iniciativa. É que a ideia clara que transparece, é de que se trata de uma iniciativa das direcções partidárias, que não foi percebida ou que não é partilhada por muitos internamente, mas mesmo assim, imposta pela disciplina de voto. E se temos dúvidas disto, observemos as inúmeras declarações de voto surgidas de ambas as bancadas do PS e do PSD na sequência da votação na generalidade na Assembleia da República; Observemos, as muitas vozes de militantes conhecidos do PS e do PSD, que tem manifestado a sua discordância; Observemos, aquilo que dizem as inúmeras moções aprovadas nas Assembleias Municipais deste país, umas com maioria absoluta do PS, outras com maioria absoluta do PSD; Observemos, a posição da esmagadora maioria dos Presidentes de Junta de Freguesia de todas as facções partidárias e o próprio recuo do PSD nesta matéria; E questionemo-nos, qual é que foi a abrangência do debate, que uma matéria destas teve, antes da sua constituição como proposta e do círculo restrito de discussão que há, nos acordos entre os dois maiores partidos sobre as alterações às leis eleitorais. Mas indo em concreto às razões evocadas nesta iniciativa, dizer o seguinte: As razões que estão sempre presentes nas alterações das leis eleitorais são sempre as melhores, favorecer o processo democrático, a transparência e acima de tudo e neste caso, a operacionalidade dos poderes executivos. E o que é isto da operacionalidade? Trata-se de eliminar a pluralidade e colocar um só partido a governar. Trata-se da necessidade incontrolável do poder político absoluto…Trata-se de estabelecer, neste caso, o presidencialismo autárquico…PS e PSD justificam esta iniciativa, comparando o que se passa nas eleições legislativas, de onde resulta a eleição da Assembleia da República e do Governo, com as eleições autárquicas, mas esquecem-se, que as Assembleias Municipais não possuem os mesmos poderes que a Assembleia da República, nomeadamente, iniciativa legislativa ou muito simplesmente o poder de alterar documentos estratégicos como são o orçamento e as grandes Opções do Plano, entre outros. Ou seja, PS e PSD, tentam comparar aquilo que não é de facto comparável. PS e PSD falam tanto, nas revisões das leis eleitorais, da necessidade de aproximar os eleitos dos eleitores, mas agora, propõem uma lei que, neste caso, distancia dos cidadãos a eleição directa dos vereadores, responsáveis pela política autárquica nas várias áreas. PS e PSD restringem com esta lei a opção dos cidadãos, terminando com a possibilidade que os eleitores tinham até agora, de votar num partido, para a gestão da autarquia e votar num outro, para a Assembleia Municipal. As diferenças dos resultados eleitorais em matéria de Assembleia Municipal e de Câmara, sempre foram vistas até hoje, como uma intenção clara e inteligente que muitos cidadãos usavam de atribuir diferentes cores políticas ao poder executivo e ao poder fiscalizador. De facto, concluímos, que PS e PSD, têm medo: Têm medo, dos Presidentes da Junta de Freguesia democraticamente eleitos e do seu posicionamento face a documentos como o Orçamento ou as grandes Opções do Plano e por isso, retiram-lhes o direito de votar estes documentos. O PS e PSD, têm medo: Têm medo em lidar com a diversidade democrática e da chatice que envolve o debate político e o encontrar de consensos e por isso, criam executivos com maioria absoluta onde eles não existem. O PS e PSD, têm medo: Têm medo até dos seus próprios vereadores eleitos e que de vez em quando teimam em não seguir as orientações da presidência, tornando-se uns empecilhos e por isso, os vereadores passam a ser escolhidos de entre os eleitos para a Assembleia Municipal e a ser descartáveis quando se portarem mal. Importa também aqui lembrar o que disse o Partido socialista, na Assembleia da República, à menos de três anos, quando se discutia um Projecto Lei do PSD que propunha, exactamente a mesma coisa que este, ao nível da criação de maiorias artificiais. Dizia então assim o Sr. Deputado Luís Pita Ameixa do Partido Socialista, neste debate: “É um erro: Pluralismo e proporcionalidade são uma espécie de alma mater do nosso sistema político e deviam ser sempre sagradamente conjugados.” Mas se esta declaração tem três anos, podemos referir outras declarações actuais, como aquela que faz parte da Declaração de Voto do Deputado Manuel Alegre, no passado dia 18 de Janeiro, aquando da votação deste Projecto-lei, e em que diz entre outras coisas “não se respeitou o princípio da proporcionalidade, trave mestra da nossa democracia” concluindo que “estamos, sobretudo neste ponto, perante uma distorção inaceitável do princípio da proporcionalidade”. Mas neste debate na Assembleia da República, para além do PS e PSD se unirem para aprovar este Projecto-lei, também se uniram, para rejeitar todos os Projectos-Lei dos restantes Grupos Parlamentares, que vinham no sentido de aumentar os mecanismos de fiscalização e de responsabilização sobre a actividade do executivo, impedindo estas propostas sequer, de descer à discussão em sede de especialidade. Como sabem, este Projecto-lei dos dois maiores partidos, que inicialmente se anunciava conjuntamente com um reforço de poderes para as Assembleias Municipais, acabou por deixar cair essas mesmas intenções. Ou seja, a dada altura, os autores da lei devem-se ter percebido, que se estavam com tanto trabalho a criar maiorias nos executivos que não correspondiam à proporcionalidade dos resultados eleitorais, não se podia reforçar o órgão onde esta proporcionalidade permanece, porque isso nunca serviria o esperado e deitaria todo o trabalho por terra. Para finalizar dizer que “Os Verdes” entendem, que sem dúvida, esta é mais um projecto-lei elaborado no sentido de restringir a diversidade de opiniões, de impor a uniformização do pensamento. Onde até agora os eleitores não atribuíram a hegemonia partidária bipolar necessária, impõe-se a mesma por lei. Há que restringir listas independentes, pequenos e médios partidos, numa lógica que pulverizar pensamentos e ideias é um obstáculo e é inimigo da boa governação. Esta é a mesma linha de pensamento que veio alterar as leis eleitorais há uns tempos atrás para obstaculizar coligações, esta é a mesma linha de pensamento que veio alterar há uns tempos atrás a lei dos partidos, ingerindo-se e criando regras facilitadoras da extinção de pequenos partidos. Como o politólogo Pedro Magalhães escrevia no Público uns dias depois da discussão na Assembleia da República e sito “O nosso sistema eleitoral é, entre os sistemas ditos “proporcionais”, um dos menos permissivos à entrada de novos partidos”. Neste mesmo artigo é feita ainda uma referência a um estudo publicado em 2007 e em que se refere, que “Portugal é uma das democracias consolidadas onde a rigidez da legislação sobre partidos e a intensidade da regulação estatal, em termos do número e natureza de restrições e sanções, mais se assemelha à existente em regimes semi-democráticos ou mesmo ditatoriais.
Mais uma vez o Partido Socialista e o Partido Social Democrata se unem neste Parlamento, para, por via legislativa, obterem aquilo que não conseguem por via eleitoral.

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