09/04/2007

E a CML decidiu trabalhar...

"Um país de ironias

Para os leitores que não vivem na capital, vamos contextualizar: na maior parte dos dias, não se dá pela existência da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Quando ela se faz notar, é invariavelmente pelas más razões. Quando a CML desperta da sua hibernação, a suspeita é que vem aí disparate. E na sexta-feira passada (um feriado!) a CML decidiu fazer horas extraordinárias para confirmar essa suspeita. Por uma vez, nesta cidade onde um prédio pode cair antes de uma folha de papel transitar entre gabinetes, a CML foi célere. E nesta cidade entupida de poluição visual, a CML foi célere para arrancar talvez o único cartaz de grandes dimensões que recebeu os louvores quase unânimes de todo o país: a sátira dos Gato Fedorento ao cartaz racista do PNR...
...durante uma semana, o país discutiu qual seria a resposta adequada aos racistas. Quando os Gato Fedorento no-la deram de forma brilhante, esta CML, a quem nunca se viu grande queda para o legalismo, decidiu que, não constituindo eles um partido político, a sua mensagem era publicidade. Neste raciocínio binário só há partidos que fazem propaganda ou empresas que fazem publicidade. Todos nós outros que andamos aqui, cidadãos deste país, eleitores, contribuintes e consumidores, somos parentes menores.
É verdade que a lei prevê regimes diferentes para a propaganda partidária e para a publicidade...
...Ora o cartaz dos Gato Fedorento pode não ser propaganda partidária, mas não é certamente publicidade; é antes enquadrável como intervenção artística e deveria ser interpretada com a folga que a lei permite.
Reparem que esta é uma obsessão particular de Carmona Rodrigues: o único sinal de vida que deu este ano foi sair para a rua de mangueira em punho para arrancar cartazes de bandas rock. Só que é uma obsessão estranha para quem preside à principal poluente visual da capital e das suas praças emblemáticas...Sob qualquer pretexto, até no Terreiro do Paço a CML deixa instalar objectos publicitários de mau gosto. A diferença é que essas empresas contaram com o beneplácito de uma câmara falida. A CML vê o espaço público como um activo publicitário e fonte de receitas. A rua é dela apenas; serve para alugar às empresas e tolerar os partidos.
Qualquer outro cartaz - desde o anúncio de uma banda amadora até aos Gato Fedorento ridicularizando os racistas- é concorrência desleal.
Para pagar os favores que deve às empresas, a CML é relaxada. Para os cidadãos fazerem política ou cultura ou arte a CML é rigorosa. Resta somente apreciar mais esta genial ironia de um país de ironias, cuja capital é governada por Carmona Rodrigues, engenheiro. É um engenheiro a sério, daqueles com diploma e carteira da Ordem. Não percebe é rigorosamente nada de cidades, de liberdade ou de política."

Pode ler o artigo na íntegra no Público (Última Página) de 09/04/2007
http://jornal.publico.clix.pt

Sem comentários: