26/04/2007

Ruído grátis na desafinada ‘música de Câmara’

Na Assembleia Municipal do passado dia 24 de Abril, "Os Verdes" apresentaram uma abordagem (que aqui se transcreve) à Proposta nº 158/2007, na qual a CML pretende acordar com a Smart Events a organização do Festival Creamfields no Parque da Bela Vista, nos dias 19 e 20 de Maio, entre as 15h00 e as 6h00 da madrugada.
Entre outras responsabilidades a empresa fica obrigada a:
1º Fazer um uso prudente do espaço, nomeadamente através do cumprimento das Regras de Utilização do Parque da Bela Vista bem como das que forem definidas no local pela Comissão de Acompanhamento. Esta Assembleia desconhece porém quais são as referidas Regras, porque nada lhe foi entregue.
2º Contratar um seguro de Responsabilidade Civil para cobertura de riscos decorrentes da execução de todos os trabalhos efectuados durante o evento. Concordou a empresa com este requisito e está esse seguro feito?
3º Proceder à recuperação do Parque de acordo com os termos do projecto de requalificação efectuado pela CML. Onde está esse projecto? Desconhecemo-lo.
4º A requalificação deverá ser finalizada até 90 dias após 31 de Maio de 2007. E se não estiver e a recuperação do Parque se arrastar, quais são as penalidades? Será que vai acontecer o mesmo que sucedeu com o Rock in Rio? Ficarão sem compensações?
5º Os custos com a requalificação poderão ascender até ao montante de € 175.000. Porém a organização do Festival, após verificar - com surpresa - que as condições a protocolar não correspondiam ao acordado, negou publicamente ter acordado esse valor com a CML. E agora, qual o ponto de situação?
6º Repor as condições e as infraestruturas existentes no Parque anteriormente à montagem e realização do evento, antes da reabertura ao público no dia 1 de Junho de 2007. Esta cláusula apenas vem confirmar o indesmentível: é que após cada festival o resultado é um verdadeiro crime ecológico para o Parque.
7º Apresentar um plano de segurança que envolva todas as entidades abrangidas no evento de modo a ser aprovado pela CML. E o Conselho Municipal de Lisboa já se pronunciou sobre as medidas deste plano? Há quanto tempo não reúne este Conselho?
8º Minimizar os incómodos provocados aos habitantes das imediações do Parque em especial no período nocturno. Como, se a cada Festival aumentam as queixas com a poluição sonora?
Vejamos agora o que oferece a CML ao promotor do espectáculo?
A proposta pressupõe também a isenção de taxas municipais à organização do festival estimadas em cerca de 3.132.500 €, “na sequência da ocupação da via pública pelo período compreendido entre 5 e 31 de Maio de 2007”. Os moradores já classificaram mesmo como “caricata” esta intenção da CML de isentar do pagamento de milhões de euros em taxas a organização do Festival.
Sobre a isenção de taxas, podíamos até fazer uma comparação curiosa. É que no caso do festival Creamfields, a verba de 1,3 milhões € é metade do valor pelo qual a CML pretende colocar à venda o Palácio Pombal...! Sr. Presidente, não dá para perceber a forma de agir desta CML!
Segundo a vereação, “este pedido de isenção é sustentado pelos dividendos que a realização do evento na cidade de Lisboa trará em termos de animação da capital, bem como para a divulgação do nome e da imagem da cidade em Portugal e no mundo”, pois “é comum os municípios oferecerem este tipo de condições de forma a atrair a si eventos de grande escala”, sublinhando que “a alternativa à não isenção de taxas municipais é não ser realizado qualquer evento na cidade de Lisboa”. Quanto a isso, nestas condições, só podemos afirmar: pois até não se perdia nada se não se realizasse.
O protocolo exige o pagamento de contrapartidas por parte da promotora do Festival, que serão aplicadas directamente na execução do projecto de requalificação do Parque da Bela Vista. Confirma a CML que se inclui a construção de um Skate Park?
Considerando que o Parque da Bela Vista foi previsto como parte integrante da estrutura verde urbana e indissociável dos fluxos ecológicos na cidade, o que têm significado os Festivais de música para Lisboa e para os moradores da freguesia? Um Parque novo em folha que tinha custado umas centenas de milhares de contos, na moeda da altura, e que era a satisfação das pessoas, ficar destroçado e pejado de lixo.
O que ganham desta vez a Freguesia e os moradores de Marvila e arredores? Um espaço cedido a um novo acto de vandalismo ambiental e de ruído. Todavia, os espaços verdes não podem ser olhados como meros pólos de atracção para turismo. A cidade deve ser planeada para garantir a qualidade de vida de todos os que nela vivem e trabalham.
Também segundo o Observatório do Parque da Bela Vista, ‘imoral’ é pouco para se definir o tratamento privilegiado que se pretende dar a quem irá degradar este espaço público.
Mais, é uma vergonha colocar-se sequer a discussão sobre a possibilidade de se isentar o promotor do festival, parecendo caricato que a CML acene com um protocolo como justificação dessa isenção, sabendo-se, como se comprova no local, que semelhante protocolo com o organizador do Rock-in-Rio de 2006, não está, nem estará nos tempos mais próximos, minimamente cumprido pela parte que toca ao promotor.
Querem sugestões? Porque não introduzir alternativas para um tipo diferente de uso do Parque, como a de um Laboratório sobre a vida natural ou o Experimentário da Bela Vista?
Outro exemplo. Para quem não saiba, o próximo Rock in Rio 2008 decorrerá nos dias 30 e 31 de Maio, 6, 7 e 8 de Junho no Parque da Bela da Vista, em Lisboa, e, pela primeira vez, também em Madrid, a 27 e 28 de Junho, 4, 5 e 6 de Julho, em Arganda del Rey, numa estratégia de internacionalização do projecto. Em Madrid - claro - o palco principal vai funcionar com energia solar, com a utilização de 240 painéis solares. A medida insere-se na estratégia da organização para a próxima edição do festival, cujo tema central é o ambiente, sensibilizando para o problema das alterações climáticas. Com os painéis, que integram a própria estrutura do palco, esperam produzir 19 mil quilowatts de electricidade, o que equivale, segundo a organização, ao consumo diário de uma localidade com 2.500 habitantes, e evitar a emissão de nove toneladas de CO2. O acordo com a autarquia madrilena tem a validade de três anos, o que implica a realização de pelo menos outras tantas edições.
Resta perguntar se o ‘Ayuntamiento’ em Espanha também planeia deteriorar, como a Câmara de Lisboa, um qualquer parque ajardinado como o da Bela Vista que deveria ser utilizado como espaço público de devaneio e lazer? Claro que não. Na capital espanhola o recinto para a nova “cidade do rock” será construído de raiz nos arredores da cidade, com uma área de 200 mil metros quadrados.
Para finalizar, recordamos que o Festival na Bela Vista promete ainda 16 horas ininterruptas de música para as mais de 30 mil pessoas que adquirirem bilhete para o espectáculo, bem como ruído completamente grátis para os moradores de toda a zona habitacional envolvente.
De todas estas cedências a promotores a única coisa certa que resulta - é a experiência que o demonstra - é que o Parque da Bela Vista corre o risco de, a muito breve trecho, ser cada vez menos um local aprazível para utilização dos lisboetas.
E isso é um outro triste e lamentável ‘espectáculo’. Por isso votamos contra esta desafinada ‘música de Câmara’.
Experimentário: Foto do Observatório sobre o Parque da Bela da Vista no URL http://observatorioparquebelavista.blogspot.com/2007/04/algumas-fotos-do-projecto-experimentrio.html

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