11/03/2007

Uma Câmara ‘ecologicamente’ apeada (parte 2)

Finalmente a CML parece adoptar uma posição ‘ecológica’, passando a andar a pé, pois “está a ser pedido aos gabinetes dos vereadores da Câmara de Lisboa que entreguem alguns dos veículos de serviço que lhes estão atribuídos”. A sério!? Não! O que se passa é que “alguns dos contratos da autarquia com locadoras de automóveis estão a terminar sem haver condições para a substituição imediata dos veículos”. E porquê? Oficialmente devido a “entraves financeiros” ou por “questões processuais relacionadas com cabimentação de verbas”, uma forma eufemística de, por outras palavras, explicar porque a CML “não entregou a tempo e horas às locadoras o dinheiro necessário” para o aluguer das viaturas 1.
Será bom recordar que em Setembro de 2003, aquando da discussão da Proposta nº 569/2003 no plenário da AML, e na sequência de uma recomendação de “Os Verdes” aprovada por unanimidade para que se “incluísse a introdução progressiva de energias renováveis” nas viaturas da CML, o deputado municipal José Luís Ferreira interpelou o executivo se estava sendo feito “algum esforço no sentido de encontrar viaturas que se movessem a energias alternativas”. Respondeu o vereador do pelouro que a sugestão seria contemplada nos concursos seguintes, tendo inclusive afirmado que “estava em estudo a instalação (...) de um mecanismo que iria alimentar as viaturas a gás comprimido (...) nas próprias instalações da Câmara”.
Assim, quando pela proposta nº 420/2006 o executivo da CML veio solicitar autorização para a adjudicação da prestação de serviços de aluguer operacional de 379 veículos ligeiros havia alguma expectativa.
Agora, em 2006, a CML afirmava ter em consideração um conjunto de preocupações como “a melhoria da qualidade do ar”, “a redução da poluição atmosférica na cidade de Lisboa”, “a redução das emissões de gases poluentes”, “o aumento da eficácia energética da cidade” e “a optimização do desempenho ambiental da frota municipal”. Para um país que sofre de níveis de dependência energética do exterior, que nos colocam à mercê das flutuações e subidas crescentes do mercado do petróleo, seria também de esperar uma preocupação com a ameaça das alterações climáticas. Mas a proposta não se coadunava com os considerandos, pois, de facto, os veículos propostos não eram, com efeito, “amigos do ambiente”, mas sim a gasóleo ou a gasolina!
Para além de o Município ainda não conseguir hoje assegurar o abastecimento de combustível alternativo, continuando a não dispor de um posto de abastecimento próprio para a sua frota automóvel, como prometera três anos antes, também não é a primeira vez que a CML se defronta com problemas de falta de liquidez. Em 2005, a autarquia teve de devolver 58 viaturas alugadas por não conseguir pagar as respectivas prestações. E em Julho de 2006 “a Galp Energia, depois de vários avisos sobre fornecimentos em dívida, cortou os abastecimentos. O braço de ferro durou três dias, mas fez mossa…” 2.
Porém, a situação é ainda mais grave. Com mais de dez mil funcionários, a Câmara de Lisboa conta para cima de três centenas de chefias, todas elas com direito a carro de serviço devido ao tal regulamento ainda em vigor desde 2002, do qual beneficiam o presidente e os vereadores “mesmo aqueles que desempenhem este último cargo a tempo parcial”, os "directores municipais ou equiparados e directores de departamento e equiparados" e ainda os chefes de divisão. “Na realidade, são já vários os gabinetes de vereadores com mais de dois veículos. O regime em vigor não estabelece um limite para o número de automóveis adstritos ao gabinete do presidente da câmara”.
A título de comparação, na Câmara do Porto apenas os vereadores e o presidente têm direito a veículos de uso pessoal. Na própria Administração Pública Central – nos Ministérios – apenas o Gabinete ministerial e o Director-Geral tem direito a viatura oficial e motorista. Pelo que nem sub-Director-Geral, nem directores de serviço e muito menos chefias de divisão, têm qualquer concessão de viatura para uso oficial, quanto mais para uso pessoal! Assistimos assim na CML a uma situação de total discrepância (senão mesmo abuso) perante a própria Administração Central.
Como em 2004-02-17 afirmou a presidente da Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa (e actual vice-presidente da CML), durante a apresentação da campanha “Lisboa a andar, Lisboa a mudar”, o objectivo era “mostrar aos cidadãos que geralmente usam veículo particular que existe hoje um novo conceito de transporte público, mais seguro e mais confortável, que se traduz num sistema competitivo, envolvendo de uma forma coordenada e integrada a Carris, Metropolitano, CP e Transtejo”, pelo que “vale a pena experimentar os transportes públicos” 3.
Eis então uma boa oportunidade para o executivo camarário impor aos gabinetes “alguma restrição aos privilégios automóveis na autarquia” e ao uso das mais de três centenas e meia de veículos oficiais. Mas, onde está o exemplo de se andar a pé e de transportes públicos? Ou será que as campanhas são feitas apenas para os munícipes?

1. “Entraves financeiros põem membros dos gabinetes da Câmara de Lisboa a andar a pé”, Público de 2007-03-09.
2. “Frota da Câmara de Lisboa parou”, Metro de 2006-07-27.
3. “Melhores transportes públicos para Lisboa” no URL
www.cm-lisboa.pt/index.php?id_item=4951&id_categoria=11
Imagem: Veículo eléctrico, IN “Mobilidade sustentável : como chegar lá?” no URL
www.youngreporters.org/article.php3?id_article=1558

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