“O governador do Banco de Portugal não está preocupado nem com a segurança das populações nem com os problemas ambientais que uma decisão destas acarretaria.” Que razões levam "Os Verdes" a considerar que são inqualificáveis as declarações proferidas no Parlamento por Vítor Constâncio?
As declarações do Governador do Banco de Portugal, defendendo que se coloque a questão da energia nuclear na agenda, sustentando esta hipótese com base na actual crise do petróleo é, no mínimo, de uma grande desonestidade argumentativa. É que, se se cometesse o erro de construir uma central nuclear em Portugal, ela só estaria pronta lá para 2020, com uma vida útil de cerca de 50 anos, e, por fim, seria desmantelada. Ocorre que a actual crise do petróleo requer respostas “para ontem” como se costuma dizer, imediatas. Logo, a energia nuclear não é solução para o problema que hoje está criado com o preço do petróleo.
Com o consumo energético do País e do Mundo a crescer a um ritmo atordoante, as Centrais Nucleares de Produção de Energia podem ser a solução? Porquê?
Não e eu recuso-me a pensar assim. Não temos que nos conformar com o aumento exponencial do consumo energético, é emergente que o façamos descer. Portanto, qualquer solução que se encontre para responder aos consumos energéticos não pode partir do princípio que eles vão continuar a crescer desta forma insustentável. E se, porventura, a energia nuclear fosse a resposta milagrosa, considera que países como a Alemanha, Espanha ou a Suécia estariam a ponderar regredir na componente energia nuclear? A resposta parece óbvia!
A energia nuclear poderá resolver as nossas carências energéticas?
Deixe-me responder-lhe, colocando a seguinte questão: se hoje tivessemos a funcionar um reactor nuclear em Portugal, estaríamos melhores do ponto de vista energético, estaríamos livres do petróleo? A resposta é claramente “não”. Teríamos continuado a aumentar o consumo energético de forma insustentável, porque isso até seria desejado pelo Grupo económico que beneficiasse do reactor nuclear, e, como o nuclear não dá resposta ao sector dos transportes, estaríamos com o mesmíssimo prejuízo decorrente do aumento do preço dos combustíveis. A solução para resolver a nossa carência energética está no combate ao desperdício e na promoção da eficiência energética, bem como na generalização e na diversificação de energias renováveis (nas quais o nuclear não se inclui).
A construção de uma central nuclear em Portugal poderá fazer baixar o preço dos combustíveis?
Uma central nuclear destina-se à produção de electricidade e nesse sector já temos muito pouca electricidade a ser produzida com base no petróleo. Reafirmo que a nossa dependência do petróleo está no sector dos transportes e não na electroprodução.
O PEV fez um alerta sobre os pressupostos errados que estão a ser anunciados relativamente ao nuclear. Que pressupostos são esses?
Só para citar alguns, desde logo o pressuposto de que o nuclear vem resolver a nossa crise do petróleo, o que é falso, mas sobre isso já me pronunciei atrás. Depois, que o nuclear vem resolver o problema do combate às alterações climáticas, quando aqui se coloca exactamente o mesmo problema: o sector dos transportes é o que tem aumentado emissões de gases com efeito de estufa. E ainda, que o nuclear é uma energia limpa e barata. Para já o nuclear tem custos associados, dos quais normalmente não se fala, que são elevadíssimos (construção do reactor, manutenção, segurança, desmantelamento, matéria prima sustentada num recurso finito e não renovável que é, por exemplo, o urânio, armazenamento de resíduos não tratáveis), o que só o torna rentável se altamente subsidiado por dinheiros públicos (que seriam desviados das energias renováveis para o nuclear).
Por outro lado, o nuclear é uma indústria de grande risco para a segurança, e como designar de energia limpa uma indústria que gera resíduos radioactivos, altamente perigosos e que não têm qualquer forma de tratamento? Este é um problema que não pode ser minimizado. Mas sabe o que é que eu verdadeiramente gostava? Que aqueles que vêem tanto interesse no nuclear, pudessem avançar com uma proposta de localização de um hipotético reactor nuclear em Portugal, que é tão pequenino, e não precisa nada de se sujeitar a disparates do ponto de vista económico, ambiental e de segurança das populações.
Há uma inversão na Alemanha e na Espanha no que toca à construção de novas centrais nucleares. Inclusivamente, Espanha tem em curso um Plano de Encerramento dessas mesmas centrais. Este facto pode ser considerado um indicador para o Governo e os agentes económicos estarem atentos?
Seria um péssimo sinal se em Portugal houvesse abertura para instalar uma central nuclear, quando os nossos vizinhos recuam nessa opção. Seria quase como transferir o epicentro do problema de Espanha para Portugal, e já chega de andarmos atrasados e em sentido contrário nas nossas opções!
Qual a opinião do PEV relativamente às Centrais de Fusão?
Não há centrais de fusão a funcionar. Têm-se gasto milhões de euros na investigação desta tecnologia, mas até à data a produção de watts por esta via é zero. Para o que se avançou foi para a construção de um reactor experimental em França (Cadarache), que se sabe não dará resultados, na hipótese mais optimista, senão daqui a 20 anos. Mas “Os Verdes” não são contra a investigação, agora o que não podemos tolerar é que se admita a energia nuclear por fissão (que é a tecnologia usada nos reactores nucleares existentes), a pretexto de que no futuro, que ninguém sabe qual nem quando, pode vir a produzir-se energia nuclear por fusão, porque são coisas totalmente diferentes.
A construção de barragens, não visa só, a produção de energia eléctrica. O armazenamento de água, para consumo humano ou então com um fim agrícola, são outras das utilidades das barragens. Num período, em que água doce é um bem escasso, porque razão o PEV é contra o Plano Nacional de Barragens?
Vamos lá a ver: esse plano chama-se Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico. O nome diz tudo sobre a razão de construção destas barragens e no documento diz-se tudo sobre o seu objectivo, que pode ser resumido assim: estamos a aumentar o nosso consumo de energia, temos um potencial hídrico que ainda pode ser aproveitado, e portanto vamos construir 10 barragens para produzir mais energia.
O problema é que quando olhamos para o Programa, temos que olhar exactamente para o que ele propõe e para os objectivos que visa atingir. E quando, de repente, nos apercebemos que a energia produzida através destas barragens não vai chegar a 3% do consumo de electricidade, que há um conjunto de parâmetros que não foram avaliados (como por exemplo o impacto destas barragens sobre a erosão do litoral, já tão fragilizado e onde se gastam tantos milhões de euros, por causa do travão que uma barragem significa ao transporte de sedimentos), e quando nos apercebemos da localização de algumas barragens (como a do Tua, a do Almourol ou a do Fridão), ficámos perplexos!
O certo é que aquilo que se pretende ganhar e aquilo que se vai perder (como património paisagístico único e de biodiversidade significativa, como terrenos agrícolas férteis, como a linha ferroviária do Tua que tem potencial para ser uma linha de mobilidade muito interessante e de ligação a Espanha) não justifica este Programa em concreto. Isto não significa que “Os Verdes” entendam que não devia haver barragens em Portugal, nós nunca dissemos isso. Mas este conjunto de barragens vai dar apenas 3% de electroprodução, vai destruir potencial de desenvolvimento em algumas regiões do país e garanto-lhe que vai dar muito mais do que 3% de lucro à EDP. Percebe-se assim para quem é útil este plano.
O Plano Nacional de Barragens foi categorizado, por si, de “pseudo-solução”. Porquê?
Porque este Programa em concreto vai criar mais problemas do que soluções. Ele é apresentado sob uma capa ambientalista, mas quando se vê o conteúdo, percebe-se que é mais para criar negócios do que para resolver problemas energéticos que temos. Então as barragens que temos não podem também produzir energia? Para quê mais estas 10, com estas características? Continua-se, por outro lado, na produção em larga escala e afastada dos centros de consumo, o que se reflecte depois nas perdas de transporte de energia, o que contribui para a ineficiência energética deste país.
Que solução tem o PEV ao invés da construção das barragens?
Em termos de electroprodução, apostar na micro-geração, e o solar ainda tem um potencial de desenvolvimento enorme, e apostar na eficiência energética (que já desenvolvemos atrás), para a qual temos um potencial de redução enorme. Enquanto com as barragens não iremos além dos 3%, na eficiência energética a resposta pode ser de 30% - estes números mostram a diferença. O problema é que neste país tudo é decidido em função dos interesses dos grandes grupos económicos, e a poupança energética não serve de negócio, por isso o Governo não aposta nela. O problema de base foi a privatização do sector energético, porque ele agora é visto em função dos objectivos das empresas e não em função dos interesses do país.
As declarações do Governador do Banco de Portugal, defendendo que se coloque a questão da energia nuclear na agenda, sustentando esta hipótese com base na actual crise do petróleo é, no mínimo, de uma grande desonestidade argumentativa. É que, se se cometesse o erro de construir uma central nuclear em Portugal, ela só estaria pronta lá para 2020, com uma vida útil de cerca de 50 anos, e, por fim, seria desmantelada. Ocorre que a actual crise do petróleo requer respostas “para ontem” como se costuma dizer, imediatas. Logo, a energia nuclear não é solução para o problema que hoje está criado com o preço do petróleo.
Com o consumo energético do País e do Mundo a crescer a um ritmo atordoante, as Centrais Nucleares de Produção de Energia podem ser a solução? Porquê?
Não e eu recuso-me a pensar assim. Não temos que nos conformar com o aumento exponencial do consumo energético, é emergente que o façamos descer. Portanto, qualquer solução que se encontre para responder aos consumos energéticos não pode partir do princípio que eles vão continuar a crescer desta forma insustentável. E se, porventura, a energia nuclear fosse a resposta milagrosa, considera que países como a Alemanha, Espanha ou a Suécia estariam a ponderar regredir na componente energia nuclear? A resposta parece óbvia!
A energia nuclear poderá resolver as nossas carências energéticas?
Deixe-me responder-lhe, colocando a seguinte questão: se hoje tivessemos a funcionar um reactor nuclear em Portugal, estaríamos melhores do ponto de vista energético, estaríamos livres do petróleo? A resposta é claramente “não”. Teríamos continuado a aumentar o consumo energético de forma insustentável, porque isso até seria desejado pelo Grupo económico que beneficiasse do reactor nuclear, e, como o nuclear não dá resposta ao sector dos transportes, estaríamos com o mesmíssimo prejuízo decorrente do aumento do preço dos combustíveis. A solução para resolver a nossa carência energética está no combate ao desperdício e na promoção da eficiência energética, bem como na generalização e na diversificação de energias renováveis (nas quais o nuclear não se inclui).
A construção de uma central nuclear em Portugal poderá fazer baixar o preço dos combustíveis?
Uma central nuclear destina-se à produção de electricidade e nesse sector já temos muito pouca electricidade a ser produzida com base no petróleo. Reafirmo que a nossa dependência do petróleo está no sector dos transportes e não na electroprodução.
O PEV fez um alerta sobre os pressupostos errados que estão a ser anunciados relativamente ao nuclear. Que pressupostos são esses?
Só para citar alguns, desde logo o pressuposto de que o nuclear vem resolver a nossa crise do petróleo, o que é falso, mas sobre isso já me pronunciei atrás. Depois, que o nuclear vem resolver o problema do combate às alterações climáticas, quando aqui se coloca exactamente o mesmo problema: o sector dos transportes é o que tem aumentado emissões de gases com efeito de estufa. E ainda, que o nuclear é uma energia limpa e barata. Para já o nuclear tem custos associados, dos quais normalmente não se fala, que são elevadíssimos (construção do reactor, manutenção, segurança, desmantelamento, matéria prima sustentada num recurso finito e não renovável que é, por exemplo, o urânio, armazenamento de resíduos não tratáveis), o que só o torna rentável se altamente subsidiado por dinheiros públicos (que seriam desviados das energias renováveis para o nuclear).
Por outro lado, o nuclear é uma indústria de grande risco para a segurança, e como designar de energia limpa uma indústria que gera resíduos radioactivos, altamente perigosos e que não têm qualquer forma de tratamento? Este é um problema que não pode ser minimizado. Mas sabe o que é que eu verdadeiramente gostava? Que aqueles que vêem tanto interesse no nuclear, pudessem avançar com uma proposta de localização de um hipotético reactor nuclear em Portugal, que é tão pequenino, e não precisa nada de se sujeitar a disparates do ponto de vista económico, ambiental e de segurança das populações.
Há uma inversão na Alemanha e na Espanha no que toca à construção de novas centrais nucleares. Inclusivamente, Espanha tem em curso um Plano de Encerramento dessas mesmas centrais. Este facto pode ser considerado um indicador para o Governo e os agentes económicos estarem atentos?
Seria um péssimo sinal se em Portugal houvesse abertura para instalar uma central nuclear, quando os nossos vizinhos recuam nessa opção. Seria quase como transferir o epicentro do problema de Espanha para Portugal, e já chega de andarmos atrasados e em sentido contrário nas nossas opções!
Qual a opinião do PEV relativamente às Centrais de Fusão?
Não há centrais de fusão a funcionar. Têm-se gasto milhões de euros na investigação desta tecnologia, mas até à data a produção de watts por esta via é zero. Para o que se avançou foi para a construção de um reactor experimental em França (Cadarache), que se sabe não dará resultados, na hipótese mais optimista, senão daqui a 20 anos. Mas “Os Verdes” não são contra a investigação, agora o que não podemos tolerar é que se admita a energia nuclear por fissão (que é a tecnologia usada nos reactores nucleares existentes), a pretexto de que no futuro, que ninguém sabe qual nem quando, pode vir a produzir-se energia nuclear por fusão, porque são coisas totalmente diferentes.
A construção de barragens, não visa só, a produção de energia eléctrica. O armazenamento de água, para consumo humano ou então com um fim agrícola, são outras das utilidades das barragens. Num período, em que água doce é um bem escasso, porque razão o PEV é contra o Plano Nacional de Barragens?
Vamos lá a ver: esse plano chama-se Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico. O nome diz tudo sobre a razão de construção destas barragens e no documento diz-se tudo sobre o seu objectivo, que pode ser resumido assim: estamos a aumentar o nosso consumo de energia, temos um potencial hídrico que ainda pode ser aproveitado, e portanto vamos construir 10 barragens para produzir mais energia.
O problema é que quando olhamos para o Programa, temos que olhar exactamente para o que ele propõe e para os objectivos que visa atingir. E quando, de repente, nos apercebemos que a energia produzida através destas barragens não vai chegar a 3% do consumo de electricidade, que há um conjunto de parâmetros que não foram avaliados (como por exemplo o impacto destas barragens sobre a erosão do litoral, já tão fragilizado e onde se gastam tantos milhões de euros, por causa do travão que uma barragem significa ao transporte de sedimentos), e quando nos apercebemos da localização de algumas barragens (como a do Tua, a do Almourol ou a do Fridão), ficámos perplexos!
O certo é que aquilo que se pretende ganhar e aquilo que se vai perder (como património paisagístico único e de biodiversidade significativa, como terrenos agrícolas férteis, como a linha ferroviária do Tua que tem potencial para ser uma linha de mobilidade muito interessante e de ligação a Espanha) não justifica este Programa em concreto. Isto não significa que “Os Verdes” entendam que não devia haver barragens em Portugal, nós nunca dissemos isso. Mas este conjunto de barragens vai dar apenas 3% de electroprodução, vai destruir potencial de desenvolvimento em algumas regiões do país e garanto-lhe que vai dar muito mais do que 3% de lucro à EDP. Percebe-se assim para quem é útil este plano.
O Plano Nacional de Barragens foi categorizado, por si, de “pseudo-solução”. Porquê?
Porque este Programa em concreto vai criar mais problemas do que soluções. Ele é apresentado sob uma capa ambientalista, mas quando se vê o conteúdo, percebe-se que é mais para criar negócios do que para resolver problemas energéticos que temos. Então as barragens que temos não podem também produzir energia? Para quê mais estas 10, com estas características? Continua-se, por outro lado, na produção em larga escala e afastada dos centros de consumo, o que se reflecte depois nas perdas de transporte de energia, o que contribui para a ineficiência energética deste país.
Que solução tem o PEV ao invés da construção das barragens?
Em termos de electroprodução, apostar na micro-geração, e o solar ainda tem um potencial de desenvolvimento enorme, e apostar na eficiência energética (que já desenvolvemos atrás), para a qual temos um potencial de redução enorme. Enquanto com as barragens não iremos além dos 3%, na eficiência energética a resposta pode ser de 30% - estes números mostram a diferença. O problema é que neste país tudo é decidido em função dos interesses dos grandes grupos económicos, e a poupança energética não serve de negócio, por isso o Governo não aposta nela. O problema de base foi a privatização do sector energético, porque ele agora é visto em função dos objectivos das empresas e não em função dos interesses do país.
Ler Entrevista para o jornal SEMANÁRIO pelo jornalista João Pinheiro da Costa, pela deputada do Partido Ecologista “Os Verdes”, Heloísa Apolónia, 24 de Julho de 2008
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