14/04/2009

Crianças e pobreza mascarada

Desde há cerca de um ano e meio que crianças com carências chegam ao Hospital Amadora-Sintra. A crise é a responsável pela situação.
Uns chegam ao hospital com fome e falta de higiene, outros entram com ténis de marca, mas mal alimentados. São meninos com carências alimentares originadas pela crise que o Hospital começou a identificar há um ano e meio.
A situação foi relatada pela assistente social do Serviço de Pediatria do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra), que associa o problema à debilitada situação económica de muitas famílias. Também o Director-geral da Saúde admite que já existem “casos pontuais” de crianças com fome devido à crise, mas “ainda não constituem um problema de dimensão preocupante”.
Para a assistente social, os casos até agora registados podem dividir-se em dois tipos diferentes: “Existem meninos que dão entrada no Hospital com fome e em más condições de higiene e de vestuário e outros que chegam bem arranjados, mas mal alimentados”.
Traçando o perfil destas últimas famílias, diz que são sobretudo famílias monoparentais que “gerem um bocadinho mal o orçamento que têm” e não querem ser “diferentes dos outros”. São mães com “a escolaridade obrigatória ou nem isso” que se preocupam mais com “a imagem do que com os cuidados básicos. Andar com uns ténis rotos ou umas calças usadas estigmatiza-os como pessoas carenciadas”, acrescentando que muitos destes casos são de crianças entre os quatro e os seis anos.
Estas famílias “valorizam muito o aspecto, mas deixam cair as coisas importantes e fundamentais”, como a alimentação, a saúde e a educação, o que “compromete o bem-estar das crianças”.
Para um psicólogo do Instituto de Apoio à Criança (IAC), trata-se antes de uma situação de “negligência”, porque “há muitas famílias que vivem num teatro de aparências e compram o que não precisam com o dinheiro que não têm”. Uma situação que se agrava com a crise e que “compromete bastante” as pessoas que têm rendimentos mais baixos.
Considera ainda que “podendo haver escolha na forma como se distribui o salário pelas prioridades da família, a última coisa que deve ser afectada são os bens essenciais. Acredito que muitas crianças estejam mal nutridas, o que significa que isso pode vir a tornar-se, mais tarde, num problema na saúde”, sublinhou, acrescentando que há também casos de pais que alimentam os filhos com comida bastante calórica para lhes saciar a fome, em vez de lhes dar uma alimentação equilibrada.
Outra socióloga confirma que poderão ser casos de “pobreza mascarada”, lembrando que as crianças pressionam os pais para lhes comprarem objectos e roupas de marca para não serem postos de lado pelos colegas e, como os “pais estão pouco disponíveis para os filhos no dia-a-dia, tendem a compensá-los materialmente. Se calhar essas crianças não estão a ser devidamente alimentadas pelas mesmas razões”.
“Ou seja, os pais também cedem na alimentação que eles querem”, sublinhou, lembrando que esta situação dá origem a erros alimentares que conduzem a situações de obesidade, mas também podem conduzir a situações de carências.

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http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/508338

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