21/10/2008

Quando se defende os solos urbanos como propriedade municipal

Descrever Lisboa como uma cidade amiga do ambiente - onde os espaços verdes são um brinco, os transportes públicos funcionam em articulação perfeita com milhares de bicicletas particulares e os desperdícios energéticos e a qualidade do ar são uma preocupação de todos e de cada um - é sonhar com um futuro prometedor, mas certamente longínquo.
O dia-a-dia de Amesterdão, uma metrópole com uma dimensão semelhante à da capital portuguesa (740.000 habitantes), permite acreditar, porém, que os sonhos se podem tornar realidade e que o crescimento desordenado pode dar lugar ao desenvolvimento harmonioso e sustentável.
Sintomático é o facto de a capital holandesa não se contentar com o que tem e que tanto faz pasmar os visitantes. “Queremos ser cada vez mais um terreno fértil para o surgimento de estratégias inovadoras face à ineficiência das infra-estruturas urbanas tradicionais”, repisa o presidente do município local.
Em pleno centro da cidade, a qualquer hora do dia, circula-se tranquilamente de automóvel, de bicicleta, de eléctrico, a pé, ou mesmo de barco pelos seus 165 canais. Ninguém se atropela, um maestro invisível parece reger os fluxos de tráfego, a velocidade média de uns e outros está a léguas de distância do nosso passo de caracol. E estacionar um carro até é quase tão fácil como fazê-lo com uma bicicleta, o que não quer dizer que seja simples e muito menos barato. Mas quem estiver disposto a pagar 4,8 euros por hora consegue um lugar com vista para os canais, mesmo no coração do centro histórico.
Comprar um terreno onde não se pode construir, manobrar na Câmara para o poder urbanizar e depois arrecadar uma mais-valia milionária - eis um jogo de bastidores proibido em Amesterdão.
O motivo é simples: todos os solos são propriedade municipal, à excepção dos que foram comprados por particulares antes de 1896 e que somam 20% do total. “O terreno é propriedade do povo de Amesterdão e a nossa função é aumentar a riqueza do povo”, diz um dos responsáveis do departamento municipal que assegura a gestão dos solos.
O sistema baseia-se numa espécie de aluguer de longa duração negociado entre os interessados em construir num determinado local e o município. O que ali se pode fazer está rigidamente estabelecido na programação do território aprovada previamente e o aluguer, perpétuo ou temporário, está sujeito a revisões periódicas. Em muitos casos, a cedência dos terrenos é objecto de leilão entre os promotores e estes são obrigados, nas zonas habitacionais, a destinar 30% dos fogos à habitação social.
Os objectivos essenciais são três: transferir para a comunidade, através do financiamento das políticas municipais, as mais-valias geradas pelo processo valias de urbanização; assegurar um maior controlo do uso da terra e um planeamento mais eficaz; e contrariar a especulação imobiliária.
Por tudo isto (e muito mais), Amesterdão quer ser capital das cidades sustentáveis 1. Este processo de gestão pública é tão parecido com o dos municípios portugueses, não é?

1. Ver Público 2008-10-05, p. 22

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