23/12/2008

Abaixo do nível de pobreza

Há cada vez mais gente sem abrigo e algumas destas pessoas até recebem um ordenado ao final do mês. Mas… não chega para mudar de vida.
No ano passado, 1448 pessoas sem abrigo recorreram à ajuda da Assistência Médica Internacional (AMI) em todo o país - tinham, na sua maioria, entre 30 e 49 anos. Destas, 634 fizeram-no pela primeira vez. Só em Lisboa a CML identificou 1187 casos. 12% é a percentagem dos sem-abrigo apoiados pela AMI que têm um emprego e recebe um ordenado. Mas estes apoios não chegam para minorar os cerca de 20% de portugueses a viver em pobreza extrema.
Os números foram apresentados recentemente pelo presidente da AMI em Portugal. O fenómeno não será novo. Mais vai contra a imagem que existe desta população, como afirma o coordenador do Abrigo da Graça gerido pela AMI.

Neste Abrigo janta-se cedo, fuma-se no pátio (é proibido nos quartos) e pelas 23h está oficialmente aberto o período de descanso, até às 7h do dia seguinte. Salvo situações muito excepcionais, ninguém pode ficar nas instalações durante o dia. E as portas só reabrem a partir das 18h.
Cada um dos cinco quartos da casa tem cinco camas e há dias da semana definidos para cada utente usar a lavandaria. Está tudo no regulamento interno afixado numa das paredes perto da cozinha. O ambiente é calmo, a instituição é pequena quando comparada com outras da cidade.
Aqui, ao contrário do que se passa noutros centros, é preciso pagar uma mensalidade (90 euros por regra), estar disposto a procurar trabalho e, nos casos de problemas com álcool ou drogas, afastarem-se destes consumos. O objectivo é a reinserção social. O tempo médio de permanência é de seis meses. “Mas temos pessoas que ficam por três anos, às vezes mais”.
“Muitos têm vontade de fazer alguma coisa pela sua vida”. O que ganham é que nem sempre chega. “Acham que não é suficiente para pagar uma casa”. Alguns, ainda assim, acabam por autonomizar-se. “Mas as situações são sempre um bocado precárias, os salários são baixos, as pessoas que vão saindo daqui nunca saem bem”. E há quem acabe por regressar.
Um dirigente da Comunidade Vida e Paz diz que não só há um aumento dos sem-abrigo - “no ano passado fazíamos 700 sanduíches por dia para distribuir duas por pessoa, este ano passámos a fazer 800” -, como tem encontrado homens com emprego, que “trabalham, têm um vencimento, mas vivem na rua”.
Lembra, de resto, alguns casos, todos recentes, com os quais se confrontou nos giros nocturnos na capital: um é jardineiro, tem um ordenado, mas dorme num centro de acolhimento em Lisboa, fazendo parte das pessoas apoiadas pela AMI que não têm casa apesar de terem um trabalho. Outro é vendedor ambulante que “já foi inspector de uma petrolífera e dormiu em hotéis de cinco estrelas”, por exemplo. E há ainda “um senhor de Trás-os-Montes que costumava ir ter com a equipa para conversar um bocadinho”.
Quando conheceu este último, achou a situação dele insustentável: “trabalha numa empresa de construção civil, ganha o salário mínimo, diz que dá para as suas despesas, mas não para pagar um quarto. Perguntei-lhe: 'Mas como é que consegue ir trabalhar todos os dias sem descansar convenientemente?' Claro que se dormia na rua descansava pouco... Conseguimos arranjar-lhe uma cama numa instituição”.
E o ciclo recomeça… Em Portugal, há cada vez mais gente sem abrigo …

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