31/12/2008

Réveillon expulsa (por uma noite) os sem-abrigo da Praça do Comércio

Quando chegarem os primeiros foliões à Praça do Comércio, para festejarem o Réveillon de 2008, dezenas de sem-abrigo terão de se preparar para passar uma noite longe daquele local, que consideram a sua 'casa'.
Alguns, dos cerca de 80 sem-abrigo, terão de abandonar o barulho e o brilho de um espectáculo que não rima com a insignificância em que vivem.
A maioria não tem alternativa e sabe que se decidir pernoitar nas arcadas arrisca-se a sofrer na pele - como em anos anteriores - as risadas dos foliões, episódios de violência física e até roubos, ficando sem o pouco que tem. Depois há ainda os que, mesmo querendo ali permanecer nestas noites, são vítimas do efeito de ‘varredura’, promovida pelas autoridades, que policiam os Ministérios.

A D. Amélia Martins 1 já sabe qual vai ser o seu trajecto esta noite: “Pego nas minhas coisinhas e se calhar vou para a Praça da Alegria”, diz a mulher de 61 anos, que até tem um filho [Amadeu da Conceição Martins], professor, que “até dá aulas aqui perto [Cais do Sodré]”. Na última vez que passou ali o Réveillon um grupo de jovens alcoolizados roubou-lhe o cesto das moedas, que tinha juntado ao longo do dia. Depois, “quando já acabou a cantoria começam a bater-nos e a destapar-nos”.
No caso do temporário migrante Joaquim (não diz o apelido), oriundo de Santa Comba Dão, é mais fácil, já que pouco mais tem para carregar do que três caixas de papelão, uma manta e um garrafão.
“Você já se imaginou sentar nesta esplanada e pagar bem pelo que vai comer e ter como vista estas pessoas?”, questiona o proprietário do mítico café ‘Martinho da Arcada’. Um cenário real, diga-se. Sentados numa das cadeiras do estabelecimento, dá-se directamente de caras com a D. Amélia, a fazer as necessidades para dentro de um bacio de plástico, que depois coloca no caixote do lixo. “Já a vieram buscar e a outros, mas regressam sempre. Este cenário afasta a clientela. Já fizemos um abaixo-assinado em Agosto por causa destes sem-abrigo e as autoridades não fazem nada”, queixa-se o empresário.
O coordenador das equipas de apoio da 'Comunidade Vida e Paz' estima que, além do abandono de idosos pelas famílias, a toxicodependência e alcoolismo são os problemas que afectam mais aquela população. “Este ano já chegamos a apoiar mais de 80 pessoas só naquela área com uma importância patrimonial enorme, paralela ao drama humano que ali se vive”, descreve o psicólogo, que há 20 anos acompanha de perto aquele problema social nas Arcadas do Terreiro do Paço 2.
Afastados por uma noite do local, escondida a ‘vergonha social’, no dia seguinte o batalhão dos sem-abrigo pode voltar aos seus T0, bem debaixo das arcadas dos Ministérios das Finanças e da Administração Interna, na Praça do Comércio 3.

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