A não existência de um plano estratégico do Governo para o porto de Lisboa é o mais relevante e preocupante para os especialistas perante a anunciada expansão do terminal de Alcântara. Enquanto tal não existir, quaisquer decisões que se tomem enfermam sempre de falta de visão de longo prazo. Por exemplo:
Mais camiões em Lisboa?
Teme-se que o número de contentores a circular por camião dentro da cidade irá aumentar, contra as promessas do Governo, que sustenta que vai baixar, porque 40% do transporte será por comboio.
Por um lado, “a Linha de Cintura tem (já) um tráfego intenso de passageiros desde as 6h às 24h”. Por outro lado, nem no próprio projecto se “acredita que possa haver muitos comboios” para transportar os contentores, uma vez que não está previsto espaço suficiente para as composições ferroviárias aguardarem ao longo do cais.
E “se os números do Governo forem os correctos, o número de camiões vai crescer substancialmente”, em mais 1500 por dia. “Infelizmente, estão a confundir valores absolutos com percentagens relativas”.
Já a utilização de barcaças para transportar 13% da carga em Alcântara por rio é contestada por operadores do sector portuário, que sublinham que isso se traduz num forte acréscimo das despesas de movimentação dos contentores. Pois “os custos de estiva são caríssimos”.
Um "elefante branco"
Há grandes dúvidas sobre se existirá procura suficiente para sustentar os investimentos que a Mota-Engil se compromete a realizar em Alcântara, para aumentar a capacidade do terminal de contentores dos actuais 330 mil para um máximo de um milhão de TEU por ano, pois “não está nada demonstrado que possa haver procura suficiente”. Pelo que, “é obrigação do Governo” mostrar que isso irá acontecer.
Em causa está a existência de uma importação e de uma exportação suficientes de produtos transportados em contentores, por via marítima, e que passem pelo terminal de contentores, quando cerca de 80% desse movimento no porto de Lisboa diz respeito ao mercado regional.
Também “o facto de os navios estarem a ficar maiores não significa que venham a Lisboa, porque o nosso mercado não gera procura suficiente”, nem “é nada previsível que isso seja assim, só por ter um cais maior”.
Caneiro de Alcântara
Em 1999, a Refer e a CP assinaram um protocolo para a construção de um túnel ferroviário destinado a ligar a Linha de Cascais à Linha da Cintura. Tal, segundo a CP, permitiria a realização de comboios directos entre Algés e Entrecampos em cada 15 minutos nos dois sentidos. Há nove anos, um dos problemas mais complexos, ainda por resolver, era o caneiro de Alcântara, um túnel construído no início do séc. XX para escoamento de esgotos e que levantava algumas dúvidas à execução do projecto. Mas o LNEC fez entretanto medições naquela zona e o caneiro está hoje perfeitamente identificado, sabendo-se ao milímetro por onde passa.
Porém, introduzir um túnel ferroviário naquela área irá aumentar o nível freático no vale de Alcântara entre um metro e um metro e meio, faltando novos estudos no âmbito desta obra.
Fecho da Golada será solução?
Se Alcântara não for uma solução de futuro, porque não um grande porto de contentores a sul, entre a Trafaria e o Bugio? Trata-se de um projecto antigo, conhecido por ‘fecho da Golada’, que consiste em fechar fisicamente aquele canal à entrada do Tejo, criando uma zona portuária que responderia às necessidades de crescimento do porto de Lisboa para os próximos 50 anos (e que teria como consequência secundária a protecção das areias da Caparica).
Contrapartidas financeiras
A suspensão de rendas e de taxas a pagar pela Liscont na nova área concessionada, bem como os baixos valores já hoje cobrados à empresa, são fortemente criticados pelos outros operadores. E o que acontecerá se o porto não crescer em Alcântara? Há suficiente espaço na ferrovia para fazer circular mais mercadorias, além de passageiros?
Para o presidente da APL, de Alcântara para Campolide, não há problema. Só que em Campolide os comboios de passageiros têm prioridade e não conseguiremos fazer mais de 15 a 17 comboios de contentores por noite, com destino à Gare do Oriente [e daí às plataformas logísticas, nomeadamente Poceirão, via terceira travessia do Tejo], o que eventualmente não será suficiente depois da expansão do porto. Uma alternativa será a transferência da carga em Alcântara, através de barcaças, para uma plataforma de apoio ao porto de Lisboa a criar no Barreiro, libertando a cidade de camiões e o caminho-de-ferro de alguma pressão.
Ver http://jornal.publico.clix.pt/default.asp?url=%2Fmain%2Easp%3Fdt%3D20081218%26page%3D4%26c%3DA